Xi iguala Mao e inaugura terceira era da China comunista
Inquiridos sobre se tinham alguma objeção à inclusão na constituição do Partido Comunista Chinês (PCC) do "Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era", os dois mil delegados reunidos em Congresso no Grande Salão do Povo em Pequim gritaram: "Nenhuma!" O presidente chinês iguala assim Mao Tsé-tung, o único outro líder a ter a sua ideologia incorporada na lei fundamental do partido com a designação de Pensamento.
"Isto vem dar a Xi uma autoridade extraordinária [...] Ele terá um estatuto semelhante ao de Grande Timoneiro, que tinha Mao", explicou à AFP Willy Lam, politólogo na Universidade Chinesa de Hong Kong. Para este académico, "é possível [que Xi] seja como [Mao]: dirigente vitalício, ou enquanto tiver saúde".
Desde Mao, o fundador da China comunista - liderou o país de 1949, quando venceu a guerra civil face aos nacionalistas de Chiang Kai-shek, até à sua morte, em 1976 -, que nenhum outro líder chinês vira o seu contributo teórico para a ideologia do país celebrado ainda em vida. Deng Xiaoping, pai da abertura económica chinesa, viu a sua "teoria" entrar para a constituição do PCC, mas só após a sua morte, em 1997. Jiang Zemin e Hu Jintao, os líderes que antecederam Xi Jinping, viram apenas alguns elementos do seu pensamento incluídos e só após deixarem os cargos.
No poder desde 2012, Xi Jinping não só vê assim a sua liderança reforçada como a partir de agora qualquer ataque contra o presidente será visto como um ataque contra o próprio regime comunista.
Mas em que é que consiste o "Pensamento de Xi"? O próprio definiu-o na abertura do XIX Congresso do partido como o "grande renascimento da nação". Segunda economia mundial atrás dos EUA - primeira se fizermos as contas em paridade de poder de compra -, a China e os seus 1400 milhões de habitantes, depois de anos de taxas de crescimento acima dos 10%, apostam agora no fortalecimento da sua posição de potência mundial. Xi quer fazer da China "um grande país socialista que seja próspero, forte, democrático, culturalmente avançado, harmonioso e belo até meados do século".
"Em primeiro lugar, a era em que a China enfatizava o crescimento acima de tudo chegou ao fim. A China entrou numa era de crescimento mais inteligente e equilibrado. Em segundo lugar, a China vai ter um papel maior no palco mundial", afirmou Kenneth Jarrett, presidente da Câmara de Comércio Americana em Xangai à Xinhua, a agência oficial do governo chinês.
Para tal, Xi promete constituir um exército "de primeiro plano mundial" até 2050, melhorar a proteção social e médica, o Estado de direito "socialista" e apostar na "coexistência harmoniosa entre o homem e a natureza". Tudo sempre sob a égide do PCC. A luta contra a corrupção, essa, é para prosseguir, com mais de um milhão de militantes afastados nos últimos cinco anos. Naquilo que muito críticos descrevem como uma purga interna para afastar eventuais rivais políticos.
Nascido em Pequim há 64 anos, Xi é filho de um dos veteranos revolucionários que combateram ao lado de Mao mas acabou purgado e detido antes da Revolução Cultural, obrigando um Xi adolescente a passar pela reeducação nos campos de trabalho na remota aldeia de Liangjiahe. Longe de se afastar do partido, Xi fez tudo para se tornar militante, subindo na hierarquia até ao topo. Formado em Engenharia Química, casado com a cantora Peng Liyuan e pai de uma filha que estudou em Harvard, o presidente chinês é alvo de um culto da personalidade que alimenta as comparações com Mao. Muito popular, serve até de inspiração a canções como Papá Xi Ama a Mamã Peng.
Ao ver o seu Pensamento inscrito na constituição do PCC, Xi parece anular as dúvidas sobre a sua sucessão, deixando no ar a hipótese de ficar na liderança mais do que os dois mandatos que os sucessores de Mao têm respeitado. Hoje serão conhecidos os nomes que irão integrar o novo Politburo do Comité Central do PCC, o órgão mais poderoso do partido. Mas ontem já se ficou a saber que Wang Qishan, de 69 anos e responsável pela campanha anticorrupção, fora afastado, respeitando uma regra não escrita que dita o afastamento dos dirigentes chineses aos 68 anos.