Xangai, Oxford ou Bogotá: o português nas universidades do mundo
István Rákóczi fala português e, assim que nos sentamos, pede um galão. Chegara a Lisboa vindo de Budapeste, onde é professor catedrático de Literatura e História Portuguesa na Universidade Eöstvös Loránd. É ele o autor da edição crítica de Os Lusíadas em húngaro e o tradutor de Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto.
A primeira lição de português que teve foi dada com "policiais e crónicas marcianas em tradução de versão brasileira" por um jornalista húngaro que trabalhava para um "jornal de uma província esquecidíssima", e que um dia escreveu a Jorge Amado para lhe pedir uma entrevista exclusiva, numa altura em que o escritor já as recusava aos grandes órgãos internacionais. "Ele provavelmente terá pegado num atlas para ver onde ficava tudo isto, deu a entrevista, e convidou-o a estudar dois semestres no Brasil", conta o húngaro numa gargalhada.
Começou a estudar português em 1977, era então um jovem de vinte anos numa Hungria ainda comunista. "Claro que a Revolução dos Cravos trouxe uma liberdade e vontade políticas para uma aproximação maior, associadas à cooperação com os países africanos lusófonos", nota. O português era uma novidade e eram muitos os que o queriam aprender. Em 1979 viria conhecer o país. Curiosamente, fê-lo no período em que Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa morriam na queda do avião Cessna, e na altura da invasão das tropas soviéticas ao Afeganistão. Nunca chegou, aliás, a perceber se foi por esta última que a bolsa que deveria receber se atrasou cerca de um mês e meio.
Quando Mário Soares visitou a Hungria em 1989 - pouco tempo depois o país tornar-se-ia numa república democrática, livre da União Soviética - Rákóczi foi o seu intérprete quando ele não conseguia comunicar com a oposição, e chegou a ser a sua voz húngara num debate televisivo.
Não é por acaso que Clara Riso, atual diretora da Casa Fernando Pessoa, é sua madrinha de casamento. Também ela ensinou e coordenou o departamento de Estudos Portugueses da Universidade Eöstvös Loránd. Dificilmente, diz Rákóczi, haverá "uma embaixada húngara no mundo lusófono onde não esteja um antigo aluno nosso". Hoje, são cerca de cem os alunos inscritos na licenciatura.
A África lusófona na Colômbia
Ana Filipa Prata, portuguesa, é outra das embaixadoras que levam ao mundo o português, língua que conta 261 milhões de falantes e é a quarta mais falada a nível global. Ensina há dois anos na Universidade de los Andes, em Bogotá. Enviada através de um programa do Instituto Camões, Ana é colega de Jerónimo Pizarro, o colombiano que conta várias edições da obra de Fernando Pessoa em Portugal e que dirige a cátedra com o nome do poeta, criada na Colômbia em 2011. "Ele já tem pelo menos um ou dois alunos que são tradutores para o espanhol de autores portugueses", conta Ana.
É com Pizarro que a jovem professora de 34 anos está a acabar de traduzir para espanhol Myra, de Maria Velho da Costa, que se juntará às obras de Tolentino Mendonça, Eduardo Lourenço, ou Dulce Maria Cardoso, já editadas na Colômbia. "A ideia é tentar articular a tradução e a publicação destes livros com a vinda dos escritores ou dos editores", diz. É por isso que, por vezes, Afonso Cruz ou Valter Hugo Mãe podem passar pela sua sala de aula, como o deverá fazer agora Tolentino Mendonça, aproveitando a sua passagem pelo Hey Festival, em Cartagena.
"Trabalho com Literatura Portuguesa Contemporânea, e agora estou interessada também na Literatura Africana de expressão portuguesa, porque tive de dar essa cadeira e isso acabou por dirigir o meu interesse e a investigação." Essa cadeira, adianta, teve 17 alunos na sua primeira experiência, e 20 na segunda, que agora terminou. "Tem sido muito útil para eles porque temos falado também sobre o contexto colombiano, a situação atual do pós-conflito", explica Ana, de visita a Lisboa.
Quando chegou, recebeu "terapia de choque" - não só pela mudança de escala: "o trânsito, o ruído..." -, mas porque começou por dar uma aula de poesia trovadoresca em espanhol, língua em que leciona. Este semestre dará um curso de cultura lusófona em português: "Uma coisa inédita."
Louro e muito branco, Simon Park quase não podia parecer mais britânico. Havíamos falado em inglês por escrito, para ele não ter de trocar o dicionário do telemóvel, e daí a estranheza de o ver, de repente, cumprimentar em português, língua em que decorreria toda a conversa por Skype. Simon é professor de Literatura Portuguesa dos séculos XVI e XVII, e de tradução de português para inglês na Universidade de Oxford, onde existe a cátedra D. João II, de Estudos Portugueses.
O século XVI é popular em Oxford
Discípulo de Tom Earle, especialista em Camões e fundador da cátedra de Oxford, Simon decidiu aprender português porque a língua lhe parecia "um tesouro", raras que eram as traduções. O seu autor? Diogo Bernardes, poeta contemporâneo de Camões, e foi sobre ele que fez o seu doutoramento. "A história literária atribuiu-lhe o papel de grande rival de Camões, e depois foi um vilão. No século XVII foi condenado como o ladrão de poesia. Foi isso que me fascinou. Interessei-me muito pelas suas cartas em verso. Nelas, ele escreve aos seus patronos pedindo dinheiro, e são exemplos de diplomacia arriscada", diz o jovem de 28 anos, que recentemente editou também, com Fernando Beleza, o livro Mário de Sá-Carneiro, A Cosmopolitan Modernist.
Atualmente, o "curso de Literatura do Renascimento é o mais popular dentro dos Estudos Portugueses. "São 12 alunos. Temos 20 por ano." Quando lhe perguntamos quais são os autores de língua portuguesa mais populares em Oxford, responde: "Camões; gostam da História Trágico-Marítima [reunida por Bernardo Gomes de Brito]; gostam de António Ferreira e a sua tragédia A Castro; de Gil Vicente ou os estudantes gostam muito ou odeiam, não há meio termo, é estranho..." Como todos os professores com quem falámos, também ali, em Inglaterra, o interesse pela literatura da África Lusófona é crescente. Ali, a cadeira é obrigatória e dada por "Phillip Rothwell, que é o novo professor catedrático, um grande especialista na literatura de Angola e Moçambique".
China: o português dá emprego
São as férias do novo ano chinês (este é o do galo), que se comemorou ontem. Luís Pires voltou de Xangai, onde há um ano e meio é leitor do Instituto Camões e professor na Universidade de Estudos Internacionais. Entre os nove docentes que ensinam na licenciatura e mestrado de Língua e Literatura/Cultura Portuguesa, ele é o único português. Têm entre 60 e 70 alunos. "É um bom número", comenta, "embora haja universidades com mais alunos. Há 20 anos só havia três universidades, duas em Pequim e esta em Xangai. Passámos para mais de 30. O ensino de português na China tem crescido." Os motivos? Sobretudo este: "Existe esta fama que o português dá emprego, pensando sobretudo no Brasil e em África, Portugal é para tirar doutoramento." Por isso, normalmente no quarto ano os alunos pedem aos professores para aprender "vocabulário de extração petrolífera, de construção civil..." Antes desse ano, no terceiro, a maioria dos alunos passou já por uma experiência de intercâmbio, em Portugal ou no Brasil.
Mas quando chega ao curso, a maioria dos alunos conhece pouco mais do que o nome de Cristiano Ronaldo e os pastéis de nata. "Eles chamam-lhes as egg tarts [tartes de ovo], que vieram de Macau e são muito populares, em qualquer pastelaria encontram-se." Quanto à Literatura portuguesa, Luís Pires diz que só com os alunos de mestrado, já com outro domínio da língua, consegue aprofundar mais neste campo e, ainda assim, estes tendem mais para a área da Linguística.
Como professor, "a grande dificuldade é o acesso à internet: ao Google, ao Facebook, não posso recomendar que vejam vídeos no YouTube, por exemplo..." Sem um VPN [rede privada virtual, virtual private network em inglês] o acesso está condicionado e "os serviços gratuitos rapidamente são bloqueados" em certas alturas do ano. Quanto à liberdade permitida pelo regime chinês, Luís, de 32 anos, diz nunca ter tido problemas, mas evita falar de política com os alunos.
"A leitora anterior estava a mostrar o [filme] Capitães de Abril, e estavam numa parte em que eles gritavam: "Liberdade! Liberdade! Fora o governo!" Durante o visionamento desse filme, em que estavam pessoas de fora da turma, uma delas levantou-se, foi ao leitor de cassetes, desligou, e disse: "O leitor está estragado. Temos de interromper o visionamento do filme." Pessoalmente eu nunca senti isso. Mas sei que normalmente as turmas têm alunos filiados no Partido Comunista", conta o professor.
Foi a 17 de agosto de 1989. Leonor Simas-Almeida tinha 34 anos e aterrou nos Estados Unidos com os seus dois filhos, então de sete e 12 anos, para ensinar na Universidade Brown, no estado de Rhode Island. Além dos cursos de Literatura Portuguesa que leciona, Leonor conta que dá "um curso de Escrita Criativa que inclui o estudo de aspetos de "gramática avançada"" e orienta "o ensino por estudantes de pós-graduação de um curso de língua e cultura portuguesas (nível intermédio)" que ela própria criou. "Em 2006, introduzi no nosso currículo um primeiro curso de literatura africana em língua portuguesa que foi e continua sendo recebido com grande entusiasmo", conta a professora, por email, dos EUA.
O português na Ivy League
A Universidade Brown pertence, a par de Yale ou Harvard, ao grupo de universidades com mais prestígio no país, conferido pela sua exigência, critérios de admissão e antiguidade: a chamada Ivy League. É ali, na cidade de Providence, que hoje alunos de diferentes cursos estudam língua e literatura portuguesas. "Os de licenciatura são ainda mais diversos do que os de pós-graduação." Quanto aos alunos de mestrado e doutoramento, explica Leonor Simas-Almeida, "os seus interesses académicos são por norma mais especializados à partida, mas as suas nacionalidades são igualmente variadas; temos alunos americanos, asiáticos, africanos, sul-americanos, portugueses e luso-americanos."
É casada com Onésimo Almeida, o escritor e professor açoriano que, quando Leonor chegou aos EUA dirigia o departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros. Foi ele a primeira pessoa que conheceu ao chegar. "Teve a gentileza de nos ir buscar ao aeroporto quando chegamos, eu e os meus (hoje nossos) filhos Duarte e Pedro. Nunca sonhamos nesse longínquo dia, ou noite mais precisamente visto termos chegado tão tarde, que ainda estaríamos juntos em 2017!"
"Pioneiro" nos EUA e criado nos anos 70, o departamento tem "ao longo dos anos produzido mais de duas dúzias de doutorados que hoje ocupam lugares de investigação e ensino em várias universidades nacionais e internacionais."