Voz ou Saída, o dilema português

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Os grandes e poderosos portugueses, que na verdade não passam de pequenos caciques à escala humana, desprezam os seus compatriotas e tratam-nos sem respeito ou simples consideração. Os interesses dos restantes portugueses são ignorados e a sua voz silenciada e quando vocalizada esbarra das paredes que vidro que os poderosos construíram à sua volta.

O economista Albert Otto Hirschman escreveu "Voz, Saída e Lealdade" (Voice, Exit and Loyalty), obra muito influente em que mostra que quando as pessoas não têm voz no interior de um grupo ou sociedade optam pela saída, isto é deixam de estar interessados no futuro do grupo e perdem a lealdade para com ele. A saída pode mesmo significar o afastamento do grupo ou quando está envolvida a sociedade como um todo, a emigração.

Os anos que se seguiram ao 25 de Abril, período em que a voz foi dada a muitas camadas sociais até aí silenciadas foi aquele que menos emigração gerou, embora as condições económicas não fossem radicalmente diferentes das dos anos anteriores. Quando essa voz foi sendo retirada a largas camadas sociais, nomeadamente às classes trabalhadoras, a emigração voltou em força.

A retirada da voz faz-se em simultâneo com a retirada do acesso e o desprezo completo pelos cidadãos. Da minha experiência saliento, como exemplo, desta retirada de voz as vezes em que me dirijo a entidades públicas sem que receba resposta. Como sou teimoso insisto sempre e, na grande maioria das vezes, obtenho respostas, sinal que, a custo, me fiz ouvir.

Registo dois casos em que mesmo com insistência não foi possível obter uma resposta: quando em 2020 me dirigi à Alta Comissária para as Migrações e, mais recentemente, ao Presidente da Câmara de Oeiras. Dois exemplos da surdez pública à voz dos cidadãos. Nestas duas situações, por mais insistência, nunca recebi resposta. Péssimos exemplos do desprezo pessoal e institucional pelos outros.

Mas, obviamente, não chega ouvir é preciso levar em conta os interesses dos vários grupos sociais. A escuta e o diálogo podem ser mesmo formas sofisticadas de surdez. Que o digam os sindicatos. Que o digam a grande maioria dos munícipes de Oeiras que se pronunciaram sobre as alterações ao PDM e que receberam como resposta às suas sugestões "Não acolhida"

É esta falta de voz que contribui para os elevadíssimos níveis de abstenção eleitoral, para a emigração, para o desinteresse pelo país, para o afastamento dos portugueses da res publica (a coisa do povo ou coisa pública).

Esta é a maior reforma que Portugal deve empreender, uma reforma do sistema político e administrativo, que passe a considerar a voz e os interesses de camadas sociais cada vez mais alargadas e não apenas da estreita faixa do topo da pirâmide. É dando-lhes voz que se motivam e envolvem os portugueses nos desafios que o país enfrenta. Essa é a única forma de preservar a nossa independência e o nosso futuro.

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