As filas multiplicam-se no Bairro do Chaimite, um dos 26 que compõem a cidade da Beira. As maiores são junto às caixas de multibanco. As poucas que recuperaram só nesta semana começaram a ter dinheiro com regularidade, uma confusão que os seguranças dos bancos tentam gerir, com grande dificuldade..Água é o que as crianças mais pedem, também comida e meticais. As ruas estão sujas, há caves com água misturada com lixo, cheiro a fezes, muitas moscas e mosquitos, também árvores tombadas E, indiferentes a isto tudo, continuam os vendedores de rua, bancas com um pouco de tudo, incluindo ovos, à espera de compradores. Elton Messias, 38 anos, passa com colchas penduradas nos braços, roupa de cama enesgada, mas é com estas vendas que tem pago as contas. "A roupa de cama estava num armazém, algumas coisas molharam-se, outras estragaram-se, mas temos de continuar.".Junto às caixas de multibanco a luta é para levantar dinheiro. "Estou aqui há mais de meia hora, agora a fila está a avançar do outro lado e essas pessoas chegaram há menos tempo", grita uma mulher. Um homem tenta fazer uma pergunta ao segurança e logo alguém lhe chama a atenção para ir para o fim da fila. Perguntámos quanto tempo esperam, ouvimos "quase uma hora" como resposta. Só estão a funcionar duas das três caixas habituais, protestam.Mais à frente, nova fila para levantar dinheiro, e novamente a pergunta: Há quanto tempo está na fila? "Há 40 minutos, aqui só está a funcionar uma caixa, por isso está esta fila, mas no início era muito maiores", conforma-se o António. O máximo que podem retirar da caixa automática por dia são dez mil meticais, cerca de 143 euros..Mais umas voltas e nova fila, esta a dar a volta ao quarteirão junto ao Fundo de Investimento e Património do Abastecimento de Água, na Rua António Enes, a mesma do Consulado Português. Elina Samancho, 27 anos, diz estar ali para pagar a conta da água, mesmo que estando há quase um mês sem que saia qualquer líquido das torneiras. Não é por falta de pagamento, esclarece.."Estamos desde o dia 6 de março sem água, foi quando começou a tempestade e as chuvas, uma semana depois piorou, mas já estamos sem água há muito tempo ", explica. Como é que fazem? "Temos de comprar água ou ir às organizações que conseguem tratar a água, isso para beber ou fazer a comida. Para o resto, tentamos improvisar, mas com muito cuidado por causa da cólera.".Dinamarqueses purificam a água.Os dinamarqueses da DEMA (Danish Emergency Management Agency) instalaram uma máquina de purificação de água no bairro de Macurungo, nos arredores da cidade, a poucos quilómetros de distância do centro mas onde só se chega por vias de areia e pó, caminhos esburacados que exigem o triplo do tempo de uma banal estrada de alcatrão.."É uma das zonas mais populosas da Beira e em que as pessoas vivem em piores condições", passa a informação Lara Martins, vice-presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, chefe de missão na Beira, que instalaram um hospital de campanha junto ao centro de saúde local..Ao lado estão os dinamarqueses, estes com a atividade limitada pela quantidade de água que nasce de um furo instalado entre o hospital de campanha e as casas dos residentes. E se não há água, o enchimento de garrafões com que abastecem a população para.."Estamos a limpar a água de todas as impurezas, o que fazemos por osmose inversa. De um lado entra a água não potável e, depois de passar por membranas permeáveis aos contaminantes, sai água própria para consumo. Temos dois tanques grandes e quatro pequenos, o que nos permite tratar 20 toneladas de líquido por dia", explica o responsável da equipa..Instalaram o equipamento no dia 25 de março e ali enchem garrafões entre as 07.00 e as 18.00, com paragens pelo meio, quando a água esgota. Também aqui as filas se tornam longas, sobretudo com mulheres e crianças, ao contrário das de multibanco, estas com muitos homens à espera..O horário das 07.00 às 18.00 é obrigatório e para todas as organizações não governamentais ali instaladas, dos portugueses da Cruz Vermelha e Médicos do Mundo aos suíços da UNICEF, com um hospital de campanha para tratar doentes com cólera e em colaboração com os Médicos sem Fronteiras. Mas o complexo de saúde tem seguranças à entrada da estrutura. O motivo é o mesmo do horário: o anoitecer, depois não se responsabilizam pela segurança de quem para ali se voluntariou.