Uma fila de muitos metros separa uma das entradas do Santuário do local onde ardem as velas. É ali que se depositam promessas, dores e orações, naquela que é a primeira peregrinação desde o início da pandemia. Nunca um 13 de junho teve tanto significado para a maioria dos peregrinos que aqui estão, desta vez, depois de há um mês ter acontecido aquela celebração ímpar, com um recinto vazio. E nunca um 12 de junho teve tanta importância na vida de Ana e Paulo, que a meio da fila seguram firmemente as velas que hão de depositar junto à capelinha das aparições: casaram hoje..Ele tem 41 anos, ela 34, destacam-se no meio dos demais pelo traje de cerimónia, em tons de azul. Vieram da Figueira da Foz, onde "casaram em segredo", como conta a mãe de Ana, que acompanha os noivos nesta viagem de agradecimento. "Viemos sobretudo agradecer e pedir a bênção de Nossa Senhora", conta ao DN Ana Roque Joanes, a noiva, que segura o bouquet numa mão e a máscara na outra. Casaram pelo civil, por ora, mas "daqui por um ano vamos casar na igreja da nossa terra, em Tavarede, na Figueira da Foz", adianta ela. O casal não ficará para as cerimónias da noite. "Viemos mesmo só acender a nossa vela e pedir a bênção para o nosso casamento", adianta Paulo Joanes..Os noivos apenas se destacam dos demais pela indumentária. São centenas de peregrinos que ali estão, no recinto, a maioria casais jovens, com filhos pequenos. Há muito poucos idosos nesta peregrinação. Mas há um traço comum a todas as outras peregrinações: pedir graças, pagar promessas. Não admira que o local mais concorrido seja o tocheiro, onde ardem de novo centenas, milhares de velas. Rosa Pires está perto. Segura várias velas nas mãos, de vários tamanhos. A maior delas tem implícita a razão que a traz ao Santuário de Fátima, desde o Lavradio, no Barreiro: a irmã, de 47 anos, internada no IPO, à espera de uma operação delicada a um tumor na barriga. "Já há cinco anos passámos por isso, com o meu pai. Agora vim pedir à Nossa Senhora que salve a minha irmã", conta ao DN..De joelhos, outra vez.Quatro meses depois, o corredor que liga a cruz alta à capelinha das aparições ganhou de novo vida. São poucos, mas alguns aventuram-se a percorrê-lo de joelhos, pagando promessas que contavam soldar em maio, não fora a pandemia que suspendeu a presença de peregrinos..Alheio a todo esse sacrifício está João Montes, 60 anos, sentado no chão, de frente para a Igreja do Rosário. Veio a pé, sozinho, desde Manteigas, no coração da Serra da Estrela, e vai rezando o terço baixinho. "É a minha 75ª vez, como peregrino aqui", revela ao DN, desfiando contas desse rosário que não considera de penas. "Venho sobretudo pedir e agradecer. É sempre assim". Saiu de casa na terça-feira, foi pernoitando em casa de amigos que tem pelo caminho, desde há muitos anos. Por vezes vem acompanhado, mas prefere fazer o caminho em modo solitário. "É muito difícil, mas é muito compensador quando aqui chegamos", sublinha, encostado a um saco-cama onde pensar dormir, esta noite, ao relento..Entre os muitos casais jovens está um que acaba de chegar: Mafalda Basto e Tiago Silva, ainda a matar saudades dos filhos, que deixaram com os avós em Oliveira de Azeméis, há três dias, o tempo que demoraram a percorrer os 160 km que os separam do Santuário. À chegada, cansados, tinham os pequenos à espera, que o pai de Mafalda fez o favor de levar, de carro.."Todos os anos costumamos vir, mas nunca numa data específica. Desta vez calhou ser na peregrinação de 12 e 13 de junho, mas já viemos quase em todas as épocas do ano"..Peregrinar de bicicleta, voltar de comboio.A caminho do Tocheiro vai também Paulo Morgado, 35 anos, ao lado da bicicleta. Veio de Vila Nova de Gaia, de onde partiu esta madrugada. "Demorei oito horas e meia, mais ou menos", revela ao DN, ele que desde há quatro anos faz este percurso em duas horas, não que tenha qualquer promessa, mas sim "para agradecer"..É engenheiro mecânico de profissão e, desta vez, tem para agradecer o nascimento da filha, que acaba de completar nove anos. Vai demorar-se pouco por ali. Só o tempo de acender as velas pelos seus. Até porque, confessa, é "um católico não praticante", daqueles que não vão à missa mas têm "a sua fé"..No passado, chegou a fazer a viagem integrado numa comitiva de 100 ciclistas, mas a confusão não lhe agradou. De modo que prefere fazer o caminho assim, sozinho. Depois monta na bicicleta e segue até à Estação de Caxarias, para apanhar o comboio que o levará de volta a casa. Está cumprida a missão de Paulo. .A dos restantes peregrinos que ficam para a celebração da noite e para a procissão das velas ainda não. Esses esperam pelo bispo auxiliar de Lisboa, D. Américo Aguiar, que desta vez preside às celebrações. Por agora, é um Santuário com poucas centenas de peregrinos aquele que se prepara para voltar às grandes celebrações. Mas só a noite trará respostas mais concretas sobre a presença - simbólica ou massiva.