O que significa ser bipolar? A perturbação bipolar tem depressões graves, de grande sofrimento, que alternam com períodos de expansibilidade e de grandeza, mas também de irritabilidade, a ideia de que o mundo não o entende. O sofrimento surge na fase depressiva mas também na de euforia. O doente gasta o que não tem, compra o que não precisa, torna-se irascível se é contrariado. Tem uma clarividência sobre as coisas e considera os outros pouco aptos para o acompanharem. Enerva-se..Quais são as principais causas da doença? A doença bipolar é considerada uma vulnerabilidade e está mais ligada a fatores genéticos, mas se houver um desencadeante - um despedimento ou a perda de uma pessoa -, entra-se numa depressão profunda. Ao entrar nessa depressão, pode desencadear uma fase maníaca e está feita a doença bipolar..A sociedade atual potencia o desenvolvimento destas doenças? O diagnóstico da depressão tem vindo a crescer e não é possível separar isso da evolução social. Há mais individualismo e menos coesão social, mais tecnologia e menos saber. É mais a imagem e menos o texto; é mais a produtividade e menos a criatividade, mais a insegurança e menos a planificação. Nós, os psiquiatras, estamos a ouvir coisas que as pessoas não podem dizer lá fora, ninguém está lá para as ouvir.O que é que não podem fazer? Planear, umas férias, por exemplo. Estão muito bem seguidas ou têm muita dificuldade em planear..E no plano profissional? Têm dificuldades, embora sejam pessoas inteligentíssimas. Quando saem da depressão para o estado de euforia, há um período em que são altamente produtivas. São brilhantes na associação de ideias, o problema é que não estabilizam nessa fase mas numa fase normal, e muitas pessoas têm saudades de quando são mais brilhantes. Florbela Espanca, Antero de Quental, Mário de Sá Carneiro, sofreram da doença, foram brilhantes quando não estavam em sofrimento, acabaram por se suicidar..A verdade é que não se fala de figuras públicas atuais com a doença. Temos mais estigma do que outros países. Sabemos [psiquiatras] que há vips com a doença e que deveriam vir a público mostrar que não é um papão, como acontece, por exemplo, com as doenças oncológicas. Os vips deram a cara, houve esse movimento que fez que se acabasse o estigma. Se pudessem fazer o mesmo em relação à depressão, à doença bipolar, seria muito importante. Quando passo uma baixa, as pessoas pedem com frequência para não dizer que é de psiquiatria. Se fechassem o Instituto Português de Oncologia, as pessoas vinham de cartão para a rua. Se fechassem todas as unidades de serviço mental, não viria um doente nem um familiar. Têm vergonha, não se mostram..Apesar do sofrimento. Um sofrimento horrível e sem esperança. Tem mais esperança um doente oncológico do que um deprimido. Um deprimido não acredita que vai ser salvo. Ao passo que um doente oncológico sabe que há uma esperança de vida, nem que seja 5% a 10 %, e agarra-se a essa esperança,.Como é que os ajuda? Ensino-lhes que esse pensamento não é deles, as depressões tratam-se. Nas estatísticas do suicídio, verifica-se que uma pessoa que se matou por depressão não estava a ser acompanhada..Afeta de igual forma ambos os sexos? A depressão é mais frequente nas mulheres e o suicídio é mais frequente nos homens. Porquê? Porque os homens não procuram ajuda devido à nossa cultura. E, mesmo na bipolaridade, é mais difícil um homem pedir ajuda..E quando se está na fase de mania? Também se morre, pelo tipo de comportamento. Os comportamentos são tão desmedidos que a pessoa pode ir a 300 km/hora numa viagem para o Algarve, corre mais riscos, é muito frequente..Determinados consumos facilitam o aparecimento da doença? Sim, sobretudo entre os jovens. Quem tem tendência para certo tipo de consumos mais facilmente desenvolve a doença..É verdade que a maior parte dos doentes bipolares em Portugal não estão diagnosticados? Temos a convicção de que grande parte não está diagnosticada. Entre os primeiros sintomas e a consulta da especialidade passam-se anos, é muito tempo sem diagnóstico..Qual deve ser o papel da família? É um elemento terapêutico indispensável. Inicialmente, a pessoa até se sente bem, com muita energia, criatividade, quase que não come, tem de ser a família a dar conta da situação..Há uma grande percentagem de doentes que não seguem o tratamento?É pequena..Em Portugal, qual é a principal dificuldade para tratar a doença? A grande dificuldade é o estigma. Seria uma grande vitória falar da doença bipolar como se fala da diabetes, do cancro. Entender que estas coisas são comuns, podem acontecer a mim, a si..No estrangeiro sentem o mesmo problema? Não, a população está mais bem informada. Nós temos mais estigma..Qual é o setor que mais precisa dessa consciencialização? O laboral. Quando um funcionário diz a um empresário que está deprimido, que precisa de descansar, ouve a resposta: "Depressões também eu tenho." Ou: "Sabe porque é que não tenho depressões? Porque tenho os filhos para criar." Só caem neles quando lhes acontece alguma coisa ou a um familiar..É diferente lá fora? Ainda agora recebi um doente da Inglaterra e a sua empresa, obviamente com o consentimento dele, envia um questionário sobre a depressão. Respondi normalmente, sublinhando que ele está a ser acompanhado e está a trabalhar. Em Portugal, nunca uma empresa me fez perguntas, por exemplo, qual é a hipótese de recidiva. Responderia que, com tratamento, é praticamente nula..Estes doentes estão mais fragilizados perante o trabalho?Muito mais, da mesma forma que me pedem para não indicar que é uma baixa psiquiátrica, também pedem para não lhes dar alta, porque logo que voltem ao trabalho são despedidos. Não se pode despedir quando uma pessoa está de baixa, quando se apresenta ao trabalho, vai para a rua. Uma pessoa deprimida, desempregada, vai pagar milhares de euros a um advogado?.Há muitos divórcios ou é uma taxa igual à da população em geral?Há mais do dobro de divórcios nos doentes bipolares. As pessoas não tratadas são muito difíceis de aturar.Afeta todas as classes sociais? A doença é endógena, mas o acompanhamento é que pode variar consoante as classes sociais. O acompanhamento psicológico é uma mais-valia, tem um problema, é caro. A psiquiatria também é cara, mas as consultas são de dois em dois ou três em três meses, às vezes até por telefone se ajusta a medicação. A psicoterapia tem de ser todos os oito dias..E no setor público?A resposta pode não ser tão rápida como no privado..Há doentes em que não resulta a medicação? Apenas 2% a 3 % dos doentes. Nesses casos, faz-se a estimulação magnética transcraniana, em que a parte cognitiva que está anestesiada na minha tristeza começa a melhorar e me leva à capacidade de reagir e ter estratégias para sair da depressão. A depressão gera depressão, como a alegria gera alegria.