Violência doméstica pode deixar de ser um crime na Rússia
A Rússia prepara-se para descriminalizar alguns atos de violência doméstica, passando a considerá-los uma contraordenação. O primeiro passo nesta direção já foi dado e a proposta que prevê consequências mais leves para algumas agressões foi aprovada esta quarta-feira no parlamento, com 368 votos a favor, um voto contra e uma abstenção
As agressões que não obriguem a vítima a procurar tratamento hospitalar ou que não obriguem a faltar ao emprego só serão consideradas crime se o incidente ocorrer mais do que uma vez por ano, segundo o jornal The Moscow Times. Se alteração avançar, esta violência no seio família vai estar ao mesmo nível que uma infração de trânsito e a punição prevista na lei será uma multa.
A alteração está a causar grande preocupação num país onde cerca de 36 mil mulheres são agredidas por dia pelos companheiros e 26 mil crianças são espancadas pelos pais por ano, segundo dados do governo, de 2013, divulgados pelo mesmo jornal. Os números revelam ainda que 40% dos crimes violentos na Rússia acontecem no seio da família.
A deputada conservadora que apresentou este projeto de lei, Yelena Mizulina, tornou-se conhecida no país em 2013, quando apresentou uma proposta de lei para banir a propaganda gay, ou seja, que promovesse relações sexuais e amorosas não tradicionais.
"As penas não podem contradizer o sistema de valores sociais da sociedade", disse Mizulina no discurso no parlamento que antecedeu a votação. A deputada diz que os valores familiares russos são ameaçados pela criminalização da violência doméstica e que o foco da alteração é a relação entre pais e filhos.
[citacao:Não queremos que as pessoas sejam consideradas criminosas por causa de uma chapada]
"Na cultura familiar tradicional da Rússia a relação entre pais e filhos é baseada na autoridade e no poder dos pais e as leis devem apoiar a tradição familiar", continuou. "Não queremos que as pessoas sejam presas por dois anos ou consideradas criminosas para o resto da vida por causa de uma chapada".
Mizulina tem o apoio dos setores mais conservadores, como a igreja Ortodoxa - que disse, em comunicado, que, "quando são razoáveis e feitos com amor, os castigos corporais constituem um direito dado por Deus aos pais" - e o grupo de pais All-Russian Parents' Resistance.
"Uma mãe espancou o filho por ver pornografia, a professora na escola reparou nos hematomas, apresentou queixa, e o tribunal condenou a mãe a pagar oito mil rublos [cerca de 125 euros]. Os pais já não têm autoridade para escolher que métodos usam para educar os filhos", lamentou o grupo All-Russian Parents' Resistance num comunicado publicado no seu site, segundo o Guardian.
A decisão do parlamento está a ser contestada por membros do público, que dizem que as mulheres estão cada vez mais desprotegidas aos olhos da lei.
Em Portugal, a violência doméstica foi criminalizada no início dos anos 80 do século passado, mas desde então foi percorrido um longo caminho: em 2000 passou a ser um crime público, o que significa que o procedimento criminal não está dependente de queixa por parte da vítima, e a revisão de 2007 trouxe um agravamento da moldura penal.