"Sim" e "não". Manuel, claramente desconfortável na pele de entrevistado, vai respondendo por monossílabos. Por isso, fala por ele o professor de Informática, Paulo Romana, com quem ainda há uns minutos se entretinha a montar componentes numa placa-mãe de computador. "Ele neste ano chega sempre a horas, é um aluno muito mais motivado. Mudámos a metodologia de ensino e os resultados veem-se", assegura..Aluno de uma turma PIEF [Programa Integrado de Educação e Formação], solução de último recurso para tentar segurar nas escolas estudantes na iminência do abandono, Manuel passou das rotinas diárias da sala de aula, onde se perdia desde o 2.º ciclo, para uma aprendizagem mais prática, que inclui formação em contexto de trabalho. Por exemplo, na Cooperativa Agrícola e Vitivinícola da terra. Já se imagina a tirar o secundário na escola profissional, ali ao lado, cuja oferta é centrada nos mesmos ofícios rurais..Ainda é cedo para dizer que será um caso de sucesso. Mas pelo menos é um exemplo concreto daquilo que nos garante Ana Braga, presidente da associação de pais e mãe de duas alunas do 1.º ciclo: na Escola Básica Frei António das Chagas, sede do Agrupamento de Escolas da Vidigueira, "não se desiste de ninguém e toda a gente dá o melhor de si e tenta proporcionar todas as condições para que as coisas corram bem". Por muito que os números sugiram o contrário..BÁSICO Infogram.Com 14% de percursos diretos de sucesso no básico - alunos que concluíram o 3.º ciclo sem retenções e tiveram positiva nas provas finais, a escola não tem o pior desempenho absoluto do país. Há estabelecimentos em que o valor é metade desse. Mas quando se consideram os resultados face ao que seria expectável, tendo em conta uma fórmula criada pelo Ministério da Educação que considera aspetos como o nível socioeconómico dos alunos e as habilitações literárias das mães, os 26 pontos percentuais abaixo da média de escolas semelhantes são mesmo o pior registo a nível nacional..Porque é que esta escola fica aquém do expectável quando tem instalações recentes e de qualidade, de fazer inveja a alguns estabelecimentos da capital? Quando conta com um corpo docente estável, com mais de 90% dos professores integrados no quadro? Um contrato de autonomia que lhe dá alguma flexibilidade na gestão dos recursos e das abordagens pedagógicas? O apoio e o empenho da câmara municipal? Psicólogo, assistente social, terapeuta da fala? Salas de estudo e outras medidas complementares de apoio dirigidas aos alunos que começam a evidenciar dificuldades?."Aluna engravidou e não veio mais".Talvez, desde logo, porque há certas realidades que nenhuma fórmula pode ponderar. E que poucas medidas pedagógicas conseguem ultrapassar. Como o facto de ser relativamente usual, entre a forte comunidade cigana (cerca de 13% de toda a população escolar do agrupamento), que raparigas de 14 ou 15 anos se "casem" com rapazes da mesma idade ou pouco mais velhos. E que subitamente deixem de comparecer nas aulas porque engravidaram. Ou simplesmente porque é considerado que devem permanecer junto das famílias.."Quando isso acontece, fazemos os possíveis para que continuem na escola. Chegámos a deslocar-nos ao acampamento, uma ou outra vez para falar com a comunidade", conta a subdiretora, Fátima Ralha. "Durante uns tempos voltam mas, aos poucos, começa a haver alguma intermitência até que deixam de aparecer. Ainda agora tivemos uma aluna do PIEF que engravidou e não veio mais.".As questões culturais relativas à comunidade cigana são um dos fatores que contribuem objetivamente para o abandono no 3.º ciclo. Não só pela questão dos casamentos, aos quais as diferentes entidades públicas, incluindo as comissões de proteção de crianças e jovens, vão procurando dar resposta, como pelo facto de uma parte significativa das famílias se deslocarem, por motivos relacionados com as suas atividades, durante boa parte do ano. "São alunos itinerantes, mas mantêm o vínculo à nossa escola e, quando não têm sucesso, esses dados entram na nossa estatística.".Tal como são também fugazes as presenças de alunos, que chegam a ser "algumas dezenas" ao longo de um ano letivo, que chegam com as suas mães para o centro de acolhimento de uma instituição que apoia mulheres vítimas de violência doméstica. Crianças que muitas vezes trazem com elas as sequelas emocionais dos maus-tratos que sofreram ou a que assistiram..Mas escola e comunidade educativa admitem que os problemas que enfrentam não se esgotam nestes casos específicos. Há um problema mais alargado de continuidade entre o 2.º e o 3.º ciclos. Como se, a partir de determinado nível de escolaridade, subitamente se alterasse a perceção dos alunos e das famílias em relação à importância do ensino, do seu potencial para abrir horizontes para além daqueles que se abarcam com os próprios olhos.."Quando os alunos chegam ao terceiro ciclo notamos de imediato uma diferença na atitude de muitas famílias em relação à escola, diz Ana Braga. "Por exemplo, nos diferentes encontros e eventos que organizamos, comparecem muito menos do que faziam antes." O fosso é tão percetível, conta, que a associação de pais até tem vindo a discutir a possibilidade de ter "uma assistente social na escola, que conseguisse fazer a ligação às famílias. Temos muito trabalho sazonal, é um meio em que o nível sociocultural é baixo. Torna-se difícil chegar às pessoas", diz..Para a presidente da associação de pais, o "estigma" de ver a escola retratada no final de um ranking nacional dificilmente trará melhorias nesse campo. Já para a diretora do agrupamento, Isabel Contente, o aspeto "mais ingrato" da classificação é mesmo o facto de esta "nada dizer" sobre os progressos que vêm sendo feitos ao longo dos anos. Com as minorias e com os restantes estudantes.."Os alunos que em 2017-2018 tiveram percursos diretos de sucesso no 3.º ciclo muito inferiores ao expectável são os mesmos que em 2014-2015 tiveram uma taxa de conclusão do 2.º ciclo de 88,2%, acima da média nacional para alunos com um perfil semelhante. Esse é um indicador que também gostaríamos de ver referido a nosso respeito", diz..Atualmente, no âmbito das medidas de promoção do sucesso escolar, a escola tem em curso uma intervenção precoce ao nível dos 1.º e 2.º ciclos da qual ainda não existem balanços, "porque o plano está em curso há dois anos". Se isso chegará para travar o abandono a montante, só o tempo o dirá. Mas se dependesse da escola estaria já a apostar em outras estratégias, para as quais não tem conseguido verbas nos últimos anos, como o regresso dos cursos de educação e formação no 3.º ciclo, que conjugam formação formal e profissional..As soluções dos bons alunos.Para Afonso Moreira, de 15 anos, "não depende tudo da direção. O insucesso tem muito que ver com os alunos não se esforçarem tanto quanto deviam", considera. Se essa atitude vem das famílias, não sabe. Só fala por si: "Na minha família sempre houve essa iniciativa de querermos ser os nossos próprios senhores, de ser alguma coisa na vida. E isso reflete-se em nós", conta. A minha família apoia-me e interessa-se", confirma Ana Fernandes, um ano mais nova..Afonso admite que os colegas poderiam ser uma boa ajuda para quem não tem esse tipo de incentivos em casa. Maria Coelho, de 15 anos, concorda. Sente que os problemas surgem quando os laços se quebram: "Acho que alguns dos nossos amigos começam a ficar pelo caminho quando perdem um ano. Desmotivam muito, porque perdem uma turma que era a deles. É uma das razões." "Devia arranjar-se alguma motivação para esses alunos quererem continuar na escola, para voltarem", defende Maria Guerra, de 14..São os quatro bons alunos. Todos finalistas do 9.º ano. Todos com horizontes ilimitados. À primeira vista, podem parecer exceções à regra. Mas são os embaixadores ideais. Se não do que a escola é, pelo menos daquilo que continua a aspirar a ser.