Não é preciso ser um adversário político para afirmar que Donald Trump tem um problema com a verdade. Está documentado. Desde 20 de janeiro de 2017, quando tomou posse, e até 14 de outubro, o The Washington Post contabilizou 13 435 afirmações falsas ou enganosas do presidente dos Estados Unidos..A utilização da maior rede social foi de importância crucial na campanha eleitoral de 2016. Os candidatos Donald Trump e Hillary Clinton gastaram 81 milhões de dólares (73 milhões de euros) em publicidade no Facebook. O candidato dos republicanos levou a melhor com uma impiedosa campanha negativa em relação à ex-secretária de Estado, que só após três anos de investigação viu a justiça ilibá-la de qualquer crime no que respeita ao caso dos e-mails..Além disso, a empresa Cambridge Analytica, a tal que acedeu sem consentimento aos dados de milhões de utilizadores do Facebook, lançou uma campanha de mais de cem milhões de dólares contra Clinton, e a Internet Research Agency, a "fábrica de trolls" de São Petersburgo, criou conteúdos falsos e divisivos entre 2015 e 2017, tendo atingido 126 milhões de norte-americanos. Em consequência, o Facebook mudou a sua política numa tentativa de bloquear as campanhas de fake news e de publicidade política comprada por estrangeiros..Pressão da direita.Ao mesmo tempo, a empresa terá em determinado passo atribuído menos importância às histórias publicadas pelos meios de comunicação conservadores e de extrema-direita na secção Trending Topics. O que levou a que estes se queixassem de parcialidade, como concluiu um relatório realizado pelo antigo senador republicano Jon Kyl a pedido da empresa de Silicon Valley. "O Facebook reconheceu a importância da nossa avaliação e já tomou algumas medidas para responder às preocupações reveladas. Mas ainda há muito trabalho a fazer para satisfazer as preocupações dos conservadores", lê-se na conclusão do relatório, que ouviu 133 congressistas e pessoas de organizações conservadoras..Em junho, Trump ameaçou processar o Facebook e a Google, embora sem especificar porquê. No mês seguinte, Mark Zuckerberg começou a organizar jantares numa das suas casas com políticos, comentadores e jornalistas conservadores. Ao Politico, um investigador de cibersegurança explicou que Zuckerberg estava receoso de que o procurador-geral, Bill Barr, pudesse iniciar uma ação legal que tivesse como resultado o desmantelamento da empresa. "Por isso, o medo é que Zuckerberg esteja a tentar apaziguar a administração Trump, não reprimindo a propaganda de direita", explicou essa fonte..Em setembro, sem aviso, Donald Trump recebeu Mark Zuckerberg em Washington. "Encontro simpático com Mark Zuckerberg do Facebook hoje na Sala Oval" foi a lacónica mensagem do presidente..Lama no ar.Dias depois, Donald Trump lança um anúncio no Facebook (mas também pode ser visto no YouTube) no qual se alega que Joe Biden, candidato às primárias democratas, prometeu mil milhões de dólares à Ucrânia para que o procurador fosse demitido. Além do mais, tem uma edição de vídeo que dá a entender que Biden confessa o crime..Em 2015, quando Joe Biden desempenhava o cargo de vice-presidente, o filho Hunter entrou na administração da empresa de energia Burisma. Foi o pedido de Trump ao novo presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, para investigar as ligações da família Biden, seu rival político, a troco do desbloqueamento de 391 milhões de dólares em equipamento militar, que desencadeou o processo de destituição de Donald Trump por parte do Congresso..Com o anúncio a ultrapassar cinco milhões de visualizações, Joe Biden escreveu ao Facebook para que aquele fosse retirado. Mas a política do Facebook no combate à desinformação mudara dias antes. Os anúncios que contenham alegações desmentidas por empresas externas de verificação de factos (fact-checking) ou por determinadas organizações especializadas são proibidos. No entanto, abre-se uma exceção: "Não qualificável: o conteúdo contém uma afirmação que não é verificável, era verdadeira no momento da elaboração ou a partir de um site ou de página com a finalidade principal de expressar a opinião ou agenda de uma figura política.".Portanto, qualquer político tem carta-branca para jogo sujo. A resposta a Biden foi a de que a empresa assenta na "convicção de que, em democracias maduras com uma imprensa livre, o discurso político já é indiscutivelmente o discurso mais escrutinado que existe", disse Katie Harbath, diretora de políticas públicas do Facebook e que havia trabalhado na campanha de Rudy Giuliani para as primárias republicanas. Giuliani é o atual advogado pessoal de Donald Trump..Warren desmonta política dos anúncios.A Biden juntou-se a senadora Elizabeth Warren, a candidata que está neste momento em ascensão nas sondagens das primárias democratas. Dez dias depois de Trump ter lançado o ataque ao número dois de Barack Obama, Warren lançou um anúncio no Facebook, no qual Mark Zuckerberg dava o apoio a Trump para as eleições de 2020. "A campanha de Trump gasta um milhão de dólares por semana em anúncios com mentiras conhecidas, anúncios que as estações de TV se recusam a emitir porque são falsos. O Facebook limita-se a receber o dinheiro sem questionar", escreveu..O fundador da rede social com dois mil milhões de utilizadores, se não quer um confronto com Donald Trump, não se importará de "lutar" contra Elizabeth Warren. A democrata defende que grandes empresas tecnológicas como o Facebook têm demasiado poder e têm de ser divididas..Uma conversa privada que Zuckerberg manteve mas cujo áudio foi divulgado pelo The Verge demonstra que não vê com bons olhos Warren na Casa Branca. "Se ela for eleita presidente, então eu aposto que vamos ter um litígio judicial, e eu aposto que vamos ganhá-lo. E isso ainda é uma treta para nós? Sim, quero dizer, eu não quero ter um grande processo judicial contra o nosso próprio governo. (...) Mas se alguém tentar ameaçar algo que é fundamental, vou para o tapete e luto", disse..Zuckerberg reconheceu, em entrevista ao The Washington Post, temer uma "erosão da verdade" online, mas crê que o Facebook alcançou o equilíbrio adequado, e no qual os políticos podem mentir..Num texto publicado na Fast Company, a antiga funcionária da Cambridge Analytica Brittany Kaiser explica o que está em jogo. "A antiga equipa da Cambridge Analytica continua a trabalhar com Brad Parscale, o diretor de campanha de Trump, juntamente com muitos dos mesmos parceiros, fornecedores e doadores ricos. Completamente livres de regulamentação e invisíveis, eles tiveram três anos para desenvolver as suas técnicas antidemocráticas na sombra. Agora, com muito mais tempo e dinheiro do que em 2016, esses agentes experientes estão a realizar um ataque frontal total contra os candidatos democratas e contra o processo democrático. Suas armas de eleição: desinformação e supressão de eleitores", explica. .O aviso fica: "A menos que exijamos que empresas como o Facebook façam cumprir as nossas leis nas suas plataformas, Donald Trump vencerá as eleições de 2020 usando a mesma maquinaria nefasta, divisiva e eficaz empregada em 2016. E estamos hoje impotentes para impedi-lo.".Cinco horas encostado às cordas.Na quarta-feira, Mark Zuckerberg compareceu à comissão dos serviços financeiros da Câmara dos Representantes. Durante cinco horas teve de responder a uma série de perguntas que o deixaram pouco à vontade, fosse em relação ao projeto da criptomoeda libra, fosse sobre o combate à desinformação, fosse sobre as práticas da empresa em relação aos empregados..Alexandria Ocasio-Cortez, a congressista mais nova de sempre, perguntou a Zuckerberg se um anúncio de um político pode conter uma informação errónea sobre a data das eleições. "Se alguém, incluindo um político, disser coisas que possam causar violência ou correr o risco de causar danos físicos iminentes ou supressão de votos ou do censo, iremos retirar esse conteúdo", disse o empresário, numa aparente contradição com o que defendera momentos antes, isto é, que a empresa não controla os anúncios políticos. Questionado sobre se vê na não verificação de factos um potencial problema, respondeu: "Acho que mentir é mau. Na nossa posição, a coisa certa a fazer não é impedir que os seus eleitores ou as pessoas numa eleição vejam que mentiu.".A representante por Nova Iorque perguntou ainda como é que o Facebook contratou o Daily Caller, "uma reconhecida publicação com ligações a supremacistas brancos", para fazer fact-checking, ao que Zuckerberg disse que é uma organização independente que escolhe as empresas para verificação de factos.."A percentagem muito pequena do nosso negócio que é composto por anúncios políticos não chega nem de perto para justificar uma tal controvérsia", disse Zuckerberg. "Isto não é realmente pelo dinheiro.".Reconheceu que, em 2016, a empresa "não estava prevenida para evitar que a Rússia interferisse nas eleições". Mas enfatizou que as defesas do Facebook contra a desinformação são mais "sofisticadas do que as que qualquer outra empresa tem neste momento e, francamente, do que os governos"..Ao mostrar uma publicação com uma foto de um homem com uma espingarda à entrada de uma mesquita, Rashida Tlaib acusou a rede social de permitir "padrões mais baixos de honestidade e decência" para os políticos. "É discurso de ódio, é ódio, e isso está a levar à violência e a ameaças de morte no meu gabinete", afirmou uma das congressistas mais críticas de Donald Trump. "Não tenho a certeza se estou em condições de avaliar uma determinada mensagem em relação a todos os diferentes padrões", respondeu Zuckerberg..O depoimento de Zuckerberg acontece num mês sensível para o Facebook. A empresa soube nesta semana que enfrenta uma investigação antimonopólio por procuradores em 46 estados, os quais se juntaram ao procurador do estado que iniciou a investigação, Nova Iorque. As autoridades federais também estão a examinar o Facebook em busca de possíveis violações da lei de concorrência..Acontece também num momento em que o Facebook lançou a funcionalidade Notícias, que vai disponibilizar artigos de centenas de meios de comunicação. Algumas serão pagas para fornecer o conteúdo do serviço. Pouco depois de ser lançada, já estava a causar polémica. Disponível apenas ainda nos EUA e por via da app do Facebook, esta funcionalidade será gerida por uma equipa de curadores composta por editores profissionais. Num primeiro momento, o Facebook terá notícias provenientes de publicações como The Wall Street Journal, USA Today, BuzzFeed, The New York Times, The Washington Post e, sabe-se agora, Breitbart..Em 2016, Steve Bannon, estratega de campanha de Donald Trump e um dos fundadores do Breitbart, afirmou sobre o site: "Somos uma plataforma para a alt-right." Reagindo à inclusão do Breitbart na lista de fontes credíveis para notícias pelo Facebook, Joe Bernstein, jornalista do BuzzFeed, escreveu na sexta-feira no Twitter: "Uma forma de ver a nomeação do Breitbart como fonte credível: uma investigação minha, há dois anos, continha revelações tão danosas para a credibilidade do fundador do Breitbart Robert Mercer que ele teve de se demitir de CEO do seu hedge fund. Mas pelos vistos isso chega para Zuck & Co.".Questionado sobre a inclusão do Breitbart pelo jornalista Marc Tracy do The New York Times, na sexta-feira, Zuckerberg respondeu: "É preciso ter conteúdo que represente perspetivas diferentes." E notou que o facto de se ser eleito para o algoritmo do Facebook News "não quer dizer que os curadores e os jornalistas que estão a escolher as histórias escolham as histórias [desse meio] como a coisa mais relevante a destacar".