Vende-se. País endividado. Oportunidade
Neste momento da pandemia só temos duas certezas: a covid-19 vai acabar quando chegar a vacina, mas a dívida dos portugueses será então astronómica. Estarmos vivos é caríssimo, viver sem produzir também. Neste momento precisamos desesperadamente de tudo e no Parlamento surge sempre mais uma despesa nova. Há, portanto, uma inquietação impossível de ignorar: de onde virá a riqueza para tudo isto?
Quando o Governo não parou toda a atividade económica do país durante o confinamento - sobretudo na quinzena da Páscoa - fê-lo sobretudo a pensar no défice. Escrevi na altura contra essa passividade e, embora não possa obviamente prová-lo, creio que não teríamos chegado a estes números cinzentos de Lisboa se tivéssemos cortado cadeias de contágios durante uma semana ou duas em Abril nas atividades não urgentes.
O Governo não fez isso - tal como não fez muitas outras coisas - porque é caro e não quis pagar mais lay-off para tanta gente.
Só que, lamentavelmente, quem já não trabalhou na altura, por força do confinamento, vê-se agora paralisado de novo pelo número de casos gerados em setores que nunca pararam. É uma dupla penalização. Como reparar esta injustiça?
Lisboa. Os números são assim tão maus? Não são. Mas a subida de casos gera notícias e quando elas são cavalgadas por pessoas com responsabilidade, tornam-se incontroláveis. Ricardo Batista Leite, médico, responsável do PSD para a área da saúde, usou a expressão "segunda onda" de covid em Lisboa, à saída da reunião quinzenal do INFARMED. Manuel Carmo Gomes, o epidemiologista da Faculdade de Ciências de Lisboa (provavelmente a voz mais escutada nesta matéria em Portugal), afirmou, porém, à RTP3, com ironia, que afinal não estiveram todos na mesma reunião... Ora, pode haver segunda onda quando Lisboa não tinha terminado ainda a primeira? Parece evidente que não. Mas quem pode garantir que isto não sucede? Ninguém. E como tal, uma hipótese remota passa a ser uma verdade mediática.
Claro, há paradoxos nas decisões do Governo que tornam tudo mais complexo. Como é possível ter-se demorado tanto tempo a aumentar a quantidade de transportes públicos nas áreas metropolitanas, depois de três semanas acima dos 300 casos? Não há qualquer dúvida que, ou alguém anda a dormir, ou todos os tostões contam.
Eu inclino-me para a segunda hipótese. E é verdade que as vidas não têm preço. Mas o preço a pagar chega sempre e não gostamos do resultado.
Durante os anos da troika tentamos vender os anéis e, também alguns dedos, com a privatização, por exemplo, de três empresas representativas do que é um país: os aeroportos (ANA), a rede elétrica (REN) e os CTT. E em parte, a TAP, que agora regressa à esfera pública totalmente falida, por força da Covid.
Sabemos que não resta praticamente nada público que dê dinheiro - nem mesmo a Caixa, que dá algum lucro, mas absorveu um aumento de capital de 2500 milhões de euros em 2017. Vamos demorar muitos anos a ter o dinheiro de volta.
Ao fim e ao cabo, que ativos públicos empresariais tem hoje Portugal? Quase nada.
A covid-19 está agora a revelar a segunda parte deste modelo económico excessivamente frágil. Daí a aceleração de falências e desemprego. Muitas pessoas estão sem rede. Talvez por isso devamos aceitar a única boa notícia disponível. Apesar do turismo cair este ano, acredita-se que chegarão mais estrangeiros a comprar casas para viverem em Portugal. Talvez criem ou comprem empresas. Não é uma receita despicienda e gera atividade económica. "Vende-se" é a placa mais à vista em Portugal. Venham eles. São a única tábua de salvação para muita gente.
Sabe-se que se o inverno vai obrigar a um segundo confinamento (mesmo que informal), muitas economias não resistirão. A fome passará a ser real, de forma transversal. Talvez seja nisto que muita gente está já hoje a pensar e, precavendo-se, a encetar uma mudança social e geográfica que ainda não conseguimos vislumbrar onde vai parar. Isso traduz-se em menos consumo, menos atividade, mas é a forma de uma sociedade se defender.
Por isso mesmo a crise covid gera uma depressão económica provocada pelo medo, acelerando consequências inimagináveis. Lutar todos os dias por essa confiança no futuro, durante uma pandemia, é uma missão impossível. E, por mais paradoxal que pareça hoje, por mais que Marcelo e Costa tentem, no final da covid-19 não existirá nem memória nem gratidão. Porque no final já não há doença, só dívida. E ela derrota todos os que estão no poder, tal como Churchill constatou ao perder as eleições no final da Segunda Guerra Mundial.