Parar num posto de abastecimento e pegar na mangueira do diesel será, cada vez mais, uma imagem do passado. Não só é esse o caminho apontado pelas instituições nacionais e europeias, que decretaram a "morte" parcial dos motores a combustão até 2035, como parece ser também essa a vontade dos consumidores - e os números comprovam-no. Entre janeiro e junho deste ano, mostram os dados compilados e divulgados pela Associação Automóvel de Portugal (ACAP), foram vendidos mais automóveis ligeiros de passageiros 100% elétricos do que modelos alimentados a gasóleo.."Desde há uns três ou quatro anos que se tem vindo a notar um crescimento acentuado da venda de veículos elétricos e um decrescimento, também acentuado, de veículos com motores a gasóleo", aponta Henrique Sánchez. O presidente da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE) lembra que a transformação aconteceu no início do ano, em fevereiro, quando, pela primeira vez, as vendas de ligeiros de passageiros com bateria (BEV) ultrapassaram as novas matrículas de carros a diesel..Segundo a informação da ACAP referente ao primeiro semestre de 2023, até ao final de junho, a quota de mercado dos 100% elétricos fixou-se em 15,5% e dos diesel em 13%. "Neste momento de descarbonização está a haver uma disrupção naquilo que foi, durante muitos anos, o paradigma", reconhece Hélder Pedro, secretário-geral da ACAP..Também na gasolina Porém, os dados mostram um cenário ainda mais "verde", já que também os ligeiros de passageiros alimentados apenas a gasolina (40,6%) foram ultrapassados pelas alternativas eletrificadas, que, no seu conjunto, representam 46,4% do total de vendas no mercado nacional. A tendência será para continuar, acredita Henrique Sánchez, que defende que "esta diferença [entre combustão e eletrificados] vai acentuar-se daqui para a frente" por múltiplas razões. Desde logo, sublinha, pela pressão das restrições impostas aos motores a combustão, a que se junta uma crescente oferta de modelos elétricos e híbridos plug-in que vêm responder a algumas das preocupações dos consumidores: a autonomia e o custo. "A oferta aumentou significativamente e a baixa de preços é uma realidade, com os exemplos da Tesla e da chegada das marcas chinesas", analisa o líder da UVE..Caminho a percorrer nas mercadorias Apesar dos números divulgados na última segunda-feira pela ACAP apontarem uma evolução positiva nos ligeiros de passageiros, a eletrificação ainda tem um longo caminho a fazer no que diz respeito aos ligeiros de mercadorias. Entre janeiro e junho deste ano, 91,5% das vendas correspondem a veículos a combustão e apenas 8,4% a elétricos. Mas este é, acreditam a ACAP e a UVE, um cenário em transformação. "Já existem, nos ligeiros de mercadorias, várias ofertas no mercado com autonomias entre os 300 e 350 quilómetros reais, o que permite atividades de distribuição nas grandes cidades", considera Henrique Sánchez..Para a fase do last mile, as opções verdes estão a tornar-se mais apetecíveis para as empresas da distribuição pelo benefício em poupança de custos com combustível, mas também para cumprir metas de sustentabilidade que fazem, cada vez mais, parte dos seus relatórios e contas anuais..Já nos pesados de mercadorias, os combustíveis fósseis continuam a ser a preferência, mas o mesmo não se pode dizer em relação ao transporte de passageiros..O exemplo de Évora O município de Évora, por exemplo, revolucionou a mobilidade coletiva com a compra de 23 autocarros 100% elétricos que garantem, desde o início de julho, a substituição total dos veículos movidos a gasóleo. No total, foram investidos 6,7 milhões de euros, dos quais 4,2 milhões foram assegurados por fundos comunitários.."Évora é um exemplo para todo o país. É uma mensagem muito importante para as pessoas, para as outras autarquias e para os concessionários deste tipo de transportes", aponta o presidente da UVE. Com apoio do financiamento europeu, acrescenta, é hoje possível cobrir "até 60% do valor de cada autocarro elétrico", o que significa que o custo para as empresas é "o mesmo" do que outro alimentado a diesel..Governo deve manter incentivos Depois de o executivo ter manifestado intenção de alterar os incentivos para a compra de veículos elétricos, através do Fundo Ambiental, a UVE confirmou ao Dinheiro Vivo que irá entregar uma proposta de alteração ao governo. Uma das possibilidades sugeridas pela associação passa por baixar o limite do apoio, que atualmente abrange a compra de automóveis até 62 500 euros, para 45 ou 50 mil euros. Por outro lado, a UVE aponta o aumento do incentivo individual dos atuais 4 mil euros para "um valor próximo dos 6 mil, que é a média do incentivo na União Europeia", a par de uma maior dotação financeira para os apoios anuais - em 2023, foram 5,2 milhões de euros para ligeiros de passageiros 100% elétricos. "Achamos que é importante manter o incentivo", concorda a ACAP.