A mina de ouro da Universal chega agora ao nono capítulo e sempre com a mesma lógica: mais é melhor. Mais explosões, mais perseguições, mais orçamento, mais carros despedaçados, mais fantasia e mais atores vedetas (além dos habituais, Charlize Theron e Helen Mirren regressam, John Cena é o novo vilão e não falta um cameo de Jason Statham). São 20 anos de celebração de tuning que se transformaram ao longo das sequelas num festival de fantasia e delírio cartoonesco, algures entre a banda desenhada e uma ficção científica delirante. Não é por acaso que a piada recorrente destes "motoristas" de carros com superpoderes anda à volta da imortalidade: "Não achas estranho safarmo-nos sempre e nem com um arranhão ficarmos?", argumenta Roman, interpretado com demasiada ligeireza por Tyrese Gibson. Dir-se-ia que é uma piada para ser levada a sério, sobretudo quando há um dos bólides a ir até ao espaço e outro a voar entre uma falésia..Desta vez, o bando de Dominic Toretto (Vin Diesel) é confrontado por Jakob, o irmão mais novo esquecido, entretanto transformado em superagente assassino. A intriga anda à volta de um plano tresloucado de uma rede de criminosos para controlar um satélite. Trata-se de um confronto que leva os "furiosos" a vários locais do mundo, entre Tóquio, Londres, Edimburgo, Tailândia e Geórgia, não faltando a ajuda de Quennie, a elegante golpista inglesa interpretada por Helen Mirren e a oposição de Cipher, a supervilã de Charlize Theron, desta feita a operar numa jaula de vidro. A meio da história há também uma ressurreição, a de Han (Sung Kang) - afinal, a sua morte em Velocidade Furiosa 6 foi apenas uma encenação de Mr. Nobody (Kurt Russell)..Com uma tonalidade muito novelesca, a ação é intervalada com esta subintriga de traição entre irmãos. Justin Lin, o realizador que volta à saga, parece querer brincar com um efeito shakespeariano, nomeadamente nas cenas dos anos 1980, quando vemos os jovens irmãos a reagir à morte trágica do Toretto sénior, um piloto de corridas cheio de ensinamentos. Mas neste Rei Lear com acelerações grunhas sente-se que o grande objetivo é tudo ser desmedido, over the top. Uma perseguição de automóvel não é apenas uma perseguição de automóvel, é uma sinfonia de exageros bélicos capaz de proporções inimagináveis. E é nesse desafio às regras da lógica e da gravidade que a escala deste nono episódio atinge uma dimensão mirabolante. Qualquer perícia das sequências de ação tem a ambição à 007 que nunca se viu, mas sempre com o ADN embrutecido que a coisa pede. A própria maneira como se filmam os décors em diversas cidades é uma apropriação do estilo da saga do agente de Sua Majestade. É como se Dominc Toretto fosse um Bond quitado para a cultura macho-macho dos aceleras. Tudo salta ao olho mas sente-se que é o próprio Lin a cair na tendência de prolongar sempre um bocado a mais cada um desses "quadros" CGI (e sente-se também a falta de um tom menos animado). De certa maneira, as duas horas e vinte cinco minutos da duração não passam a correr. Fast 9 entope-se na sua própria velocidade e é dos filmes desta franquia o mais lento. É como se a rotina se tivesse instalado em toda esta insanidade, mesmo quando lá para o fim o argumento inventa reviravoltas das reviravoltas. O chamado twist já não é o que era. Claro que o impacto visual não é inferior ou menor daquele que levou milhões de portugueses aos cinemas nos anteriores capítulos, não é por aí...Mas sente-se que Lin não traz ideias frescas. O melhor desta saga está no período do sexto e do sétimo filme onde se geria com maior carga de gozo as próprias limitações do pressuposto, ou seja, as aventuras de um grupo de amigos com pé pesado no acelerador. Lin é um mecânico que dá conta do recado mas que já não tem know-how para tonificar as coisas..A seu favor, F9 tem um bom tratamento de vilões. Mesmo com o "azeite" novelesco do segredo do irmão doentio, John Cena é um mau-da-fita que impõe algum respeito. É mais do que nítido que esta estrela do wrestling está a ficar um nadinha menos cabotino e os planos em que olha com ódio-amor para o mano tem qualquer coisa de divertido, por muito que seja involuntário. Depois, há também o dinamarquês Thue Ersted Rasmussen a compor com farsa um menino mimado genocida. O seu Otto é irritante quanto baste...Charlize Theron, com muito menos tempo de ecrã do que no anterior, continua a ser escandalosamente cruel..Para o mês que vem, este nono tomo da saga tem direito a sessão especial no maior festival do mundo, Cannes! Não está em competição mas tem direito a seleção na secção Cannes Plage, onde se projetam filmes mais populares na praia. Chegámos ao ponto em que um blockbuster deste género tem direito a carimbo : "Seleção oficial Festival de Cannes". Está tudo louco!? Num filme em que os condutores gozam com a morte na cara talvez seja proibido falar de loucura... Bem vistas as coisas, Cannes é um festival mesmo sem preconceitos.....dnot@dn.pt