Há vários hospitais em risco de fechar serviços

O Santa Maria já encerrou um serviço de cirurgia, mas prevê-se que noutros hospitais possam vir a ser encerrados serviços resultado daquilo que é a não autorização do Ministério da Saúde e Ministério das Finanças de contratar enfermeiros"
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O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) advertiu esta terça-feira que além do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, há vários hospitais que poderão vir a encerrar serviços porque o Governo não autoriza a contratação de enfermeiros.

O Diário de Notícias adianta na sua edição de hoje que a saída de enfermeiros (desde janeiro terão saído mais de cem) obrigou o Hospital de Santa Maria a fechar camas e um setor de cirurgia devido à falta de recursos humanos.

Guadalupe Simões, do SEP, disse que o que se está a acontecer no hospital de Santa Maria está a passar-se na maior parte dos hospitais portugueses, como por exemplo no Hospital da Cova da Beira, no Centro Hospitalar do Porto e na Unidade Local de Matosinhos.

"O Santa Maria já encerrou um serviço de cirurgia, mas prevê-se que noutros hospitais possam vir a ser encerrados serviços resultado daquilo que é a não autorização do Ministério da Saúde e Ministério das Finanças de contratar enfermeiros", avançou.

De acordo com o Diário de Notícias, o número de enfermeiros está muito abaixo do necessário e só desde o início do ano mais de cem profissionais abandonaram o Centro Hospitalar Lisboa Norte e nem metade desse número foi contratado para compensar as saídas.

De acordo com Guadalupe Simões, se não forem contratados enfermeiros, a Unidade Local de Saúde de Matosinhos pode vir a ter que encerrar serviços assim como o Centro Hospitalar do Porto.

"A Unidade Local de Saúde de Castelo Branco, o Centro Hospitalar Médio Tejo, o hospital da Cova da Beira, todos estes hospitais estão numa situação de pré-ruptura e o Ministério da Saúde está a assistir a isto quase de forma passiva", disse.

Na opinião de Guadalupe Simões, a situação vai-se agravar com a passagem dos enfermeiros com contrato individual de trabalho a 01 de julho para as 35 horas.

"Todas as instituições reportaram para o Ministério da Saúde a necessidade de contratar enfermeiros decorrente dessa situação e hoje quando analisamos o balanço social dos hospital entre outubro de 2017 e abril deste ano (que são os dados disponíveis) na sua maioria todos perderam enfermeiros, têm hoje menos enfermeiros do que em outubro de 2017 e estamos a dois meses da entrada em vigor de uma lei que foi negociada e recebeu o aval do Ministério das Finanças para que se concretizasse e é na situação que estamos hoje de pré-ruptura e que rapidamente vai entrar em rutura", considerou.

Segundo a dirigente do SEP, a situação não se resolve sem a contratação de enfermeiros.

"O que é estranho e deveras preocupante é que o governo na negociação da passagem dos enfermeiros para as 35 horas impôs que esta medida entrasse em vigor a 01 de julho contrariamente à nossa exigência precisamente para durante estes primeiros seis meses do ano se fizesse um plano de contratação de enfermeiros em função das necessidades", disse.

Segundo Guadalupe Simões, essas reuniões nunca se concretizaram, tendo estado marcadas várias vezes, mas que foram desmarcadas pelo Governo.

"O que se assiste é a uma série de obstáculos na contratação. Não se contratam enfermeiros de forma efetiva, não há autorização para substituir enfermeiros com ausências prolongadas desde que sejam contratos de trabalho em funções públicas e mesmo nos contratos individuais de trabalho só estão a ser substituídas as enfermeiras com licenças de parentalidade, mesmo estes contratos no que diz respeito às ausências por motivo de doença não estão a ser autorizadas as substituições. É o caos que está instalado", concluiu.

Um setor de cirurgia encerrado, unidade da pediatria transferida para outro local com menos camas, serviços como o de otorrino e urgências assegurados por internos e consultas e tratamentos em risco por falta de profissionais. Este é o retrato de alguns dos principais problemas que afetam o Hospital de Santa Maria. As causas, grosso modo, vão sempre dar ao mesmo problema: recursos humanos, ou a falta deles.

Se há menos de duas semanas o diretor de serviço de oncologia do hospital se queixou da falta de médicos na unidade, dados consultados pelo DN mostram também que o número de enfermeiros está muito abaixo do necessário: só desde o início do ano, mais de cem enfermeiros abandonaram o Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN) e nem metade desse número foi contratado para compensar as saídas.

Os padrões internacionais de qualidade nos serviços de saúde apontam para um rácio de três enfermeiros por cada médico - e a média europeia até está acima dessa bitola, com um médico para cinco enfermeiros -, mas o Santa Maria apresenta linhas que praticamente se sobrepõem nesta área: tem 1521 médicos, já contando com 127 internos, e 1849 enfermeiros, o que resulta num rácio de apenas 1,2 profissionais de enfermagem para cada médico. Mas na prática, por vezes, até é inferior. "Por exemplo, na consulta de ginecologia há duas enfermeiras para quatro médicos, se alguma falta ou fica doente, o trabalho fica posto em causa", conta um médico do Santa Maria, que relata "uma diminuição geral do número de enfermeiros".

E os números no maior hospital nacional parecem confirmar esta tese. Desde o primeiro dia do ano de 2018, saíram deste centro hospitalar 103 enfermeiros, dos quais 64 para centros de saúde - ao abrigo de um concurso aberto pela Administração Central do Sistema de Saúde -, e 39 por rescisão de contrato para irem para o privado ou para outras unidades de saúde. Em sentido inverso, foram admitidos no mesmo período de tempo 49 enfermeiros, menos de metade dos que abandonaram. As consequências fazem-se sentir nas escalas, relatam profissionais ao DN, com o aumento de horas a trabalhar sem consentimento dos enfermeiros, falsas horas extraordinárias e o aumento de baixas médicas. E também, naquilo que toca mais diretamente os utentes, no funcionamento dos serviços.

Pediatria perdeu 15 enfermeiros

Um setor da cirurgia, denominado 1B, teve mesmo de ser encerrado - "temporariamente", garante fonte hospitalar - para permitir dar resposta aos cuidados de enfermagem da área cirúrgica em geral. Ao que o DN apurou, trata-se do fecho de 22 camas, que tinham uma ocupação média de 76%. E o próprio hospital admite também que teve de reestruturar a unidade de nefrologia pediátrica, que precisava de 11 enfermeiros para assegurar todos os turnos e mudou do 7.º piso para o 9.º, onde ficou junto à zona de gastro e de infeto e perdeu camas - passou de seis para quatro. Mas "tem dado resposta às necessidades nesta área e permitiu em simultâneo distribuir os enfermeiros por outros pisos da pediatria, de onde saíram na globalidade 15 enfermeiros", sublinha o hospital em resposta ao DN, falando em mera gestão de recursos humanos e assegurando que a situação será restabelecida quando for autorizada a contratação de igual número de enfermeiros saídos.

"Não se consegue cumprir o rácio médico/enfermeiro porque o número destes últimos no CHLN é muito abaixo do necessário para dar resposta às necessidades em horas de cuidados de enfermagem na nossa instituição", reconhece fonte do Santa Maria, que acrescenta que a aposta tem necessariamente de passar pela contratação de enfermeiros, porque há um défice destes profissionais e não excesso de médicos. Afirmações subscritas pela bastonária da Ordem dos Enfermeiros, que defende que "não há falta de médicos em Portugal, estão é mal distribuídos". "Em relação aos enfermeiros há um problema de falta de recursos humanos e os quadros estão fechados, não são autorizadas contratações", diz Ana Rita Cavaco.

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