À primeira vista lembra um típico moliceiro característico da Ria de Aveiro mas está ancorado a muitos quilómetros de distância, no Rio Tejo. A semelhança denuncia a origem do Sou do Tejo, "um barco que é preciosidade", considera Rui Rosado, sócio-gerente da empresa Nosso Tejo, proprietária da embarcação.."É um varino e fazia parte da frota de embarcações tradicionais que abasteceram ao longo de muitos anos a cidade de Lisboa, uma frota desaparecida e esquecida. Hoje apenas 6 ou 7 destas embarcações de grande porte persistem no rio", afirma..O formato dos varinos é "inspirado nos barcos da ria", confirma. "Grande parte dos carpinteiros, calafates, ferreiros, pintores, vinham daí e este [tipo de] barco tem uma forte relação com essa região. Daí se chamar varino, semelhante às varinas, com inspiração na zona de Aveiro.".Os varinos distinguem-se devido ao formato característico - com o fundo chato e a proa arredondada. "Eram embarcações de transporte a granel de carga, para subir o rio em zonas de esteiro, com pouca água. O fundo chato que permitia subir o rio para zonas de baixa profundidade de água, zonas de esteiro - para poder aceder às quintas, às fazendas - onde se fazia produção agrícola necessária para abastecer a cidade de Lisboa", explica Rui Rosado ao DN..Eram embarcações adaptadas ao transporte de grandes quantidades de produtos a granel, mas o seu formato também tinha alguns inconvenientes. "O fundo chato não navega tão bem na zona de estuário, porque não tendo quilha, dá-se o fenómeno de abatimento da embarcação. Mas para subir o rio era a embarcação ideal - e daí ser, até ao século XIX - o tipo de embarcação mais comum a navegar sobre o Tejo", recorda.."O Sou do Tejo é uma embarcação com 19 metros de comprimento, podia transportar até 40 toneladas de carga e hoje poderá transportar até 39 passageiros na sua atividade marítimo-turística", descreve o proprietário..A embarcação foi convertida no ano de 2019 para passeios "e é, com certeza, a embarcação tradicional mais antiga a operar", assegura..O fim do recurso à via fluvial para transporte de cargas levou ao abandono de muitas destas embarcações, que conhecem atualmente uma segunda vida graças ao turismo. Rui Rosado defende que essa nova utilização dos varinos permite não só a manutenção das tradições fluviais mas também do conhecimento adquirido para a construção naval.."As nossas embarcações são bastante procuradas e somos uma das empresas de maior sucesso, fruto da escolha de um público fundamentalmente norte-europeu, norte-americano - mas também franceses, alemães - que têm, de facto, uma grande capacidade de valorizar este património fluvial", reconhece..Mas não só os turistas estrangeiros que podem passear neste varino. O Sou do Tejo está disponível ao longo de todo o ano em passeios regulares, com partida da estação fluvial Sul e Sueste, junto ao Terreiro do Paço..Para quem nunca experimentou, como descreveria a viagem num varino? "Experimentar a navegação em embarcações de madeira, é outro conceito, é outra forma de estar na água", descreve Rui Rosado, convicto.."São embarcações com outro comportamento e que torna mais natural a presença na água", acrescenta. Para além da navegação propriamente dita, há outro componente do passeio que pretende despertar outros sentidos nos passageiros. Durante a viagem é exaltada a relação de proximidade dos varinos ao vinho, "a mercadoria de maior valor transportada por estas embarcações."."E nós fazemos degustação e oferecemos vinho da região a bordo das nossas embarcações e isso também promove um pouco das fortes emoções que se vivem a bordo", especifica..Se atualmente o Sou do Tejo passeia turistas no Tejo, isso deve-se a um britânico "que o salvou". "Esta embarcação foi adquirida nos anos 90 por um inglês que o iatizou [acrescentou-lhe uma cabine na zona da carga]. Passeou ao longo da costa portuguesa e foi até aos Açores nesta embarcação", conta Rui Rosado.."Após 1966 - altura em que foi construída a Ponte 25 de Abril - houve um abandono das embarcações tradicionais para transporte de carga a granel devido à conversão do transporte marítimo e fluvial para transporte rodoviário", recorda. Muitas das embarcações abandonadas acabaram por ser adquiridas por estrangeiros, em especial, "norte-europeus que têm gosto por embarcações de madeira"..O Sou do Tejo regressou ao rio que banha a capital em 2001, ano em voltou às mãos de proprietários portugueses. A empresa Nosso Tejo adquiriu-o em 2019 e fez alguns arranjos para o adaptar à atividade marítimo-turística..Para além do desafio de manter uma embarcação tradicional de madeira e de grande porte, a empresa de Rui Rosado tem também de lidar com a falta de mão de obra especializada.."Existem - a contar pelos dedos de uma mão - os arrais capazes de navegar estas embarcações", enumera. A escassez de marinheiros com conhecimento específico deste tipo de barcos implicou "um processo de aprendizagem das técnicas, juntos dos outros arrais."."Estas embarcações, por serem de madeira, por terem muito peso - o Sou do Tejo, por exemplo, pesa 30 toneladas - a sua manobrabilidade é bastante reduzida. Não tem propulsores de proa, não tem outros mecanismos que facilitam numa embarcação moderna a sua manobra", esclarece..O "segredo" por detrás do saber navegar este tipo de embarcações é "saber contar acima de tudo com os efeitos do nosso ambiente - do vento e das marés para conseguir fazer o seu próprio movimento", revela. "A manobra é não só feita pelo arrais, mas acima de tudo pelo vento e pela maré necessária para se fazer a manobra que se pretende."."Para ter experiência e esse conhecimento é preciso gostar das embarcações tradicionais", aventa. "E depois tentar compreender", com gosto.