Vacinas para variantes não sei donde? O maior perigo é a "variante lusitana"

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Até hoje foram administrados mais de 350 milhões de doses de vacina a nível mundial (de acordo com o projecto Our World in Data da Universidade de Oxford). Em termos de estratégia, a escassez de vacinas permanece, pelo que se tem dado prioridade, a nível global, a pessoas com certas patologias (em Portugal, por exemplo, com insuficiência cardíaca, doença coronária, insuficiência renal ou doença respiratória crónica), aos profissionais de saúde, a residentes em lares e a grupos etários acima de determinadas idades.

Em sede de celeridade do processo de inoculação, a abrangência, a eficiência e a rapidez registadas são bem diversas pelo mundo fora, podendo-se identificar, grosso modo, quatro velocidades:

Velocidade 1 - que invoca o exemplo israelita, pois, como sabemos, Israel tem inoculado à velocidade da luz, contando com cerca de 88,4 doses administradas para cada cem pessoas;

Velocidade 2 - alguns países desenvolvidos, como os EUA e o Reino Unido, têm adoptado um ritmo aceitável;

Velocidade 3 - noutros países desenvolvidos, como Portugal, Espanha, França e Alemanha, têm-se observado uma marcha mais lenta;

Velocidade 4 - a maior parte dos países, que engloba a generalidade dos países africanos, ainda não inoculou uma pessoa sequer.

Passando do panorama universal para o caso português, o cumprimento do plano de vacinação para a covid-19 do governo, que definia os grupos prioritários e as respectivas fases de vacinação, com a previsão de que seriam administradas à volta de 300 mil vacinas por semana, com capacidade de expansão, teria colocado Portugal no segundo grupo (velocidade 2). Contudo, o cenário real, infelizmente, não permite tal inserção. Senão vejamos.

O ritmo a que as vacinas têm sido disponibilizadas na generalidade dos países da União Europeia, incluindo Portugal, contribui significativamente para uma velocidade de vacinação menor do que a desejável. Esta constatação revelou uma fragilidade negocial não expectável, bem como uma dependência estratégica da União Europeia que devem merecer uma profunda reflexão dos Estados membros.

Em Portugal, há que reconhecer o impacto significativo da mudança estratégica ocorrida na coordenação da task force para a vacinação nacional, bem como o louvável trabalho por esta até agora executado, cujo êxito continua, não obstante, a depender de terceiros - designadamente, a nível externo, no que toca ao fornecimento de vacinas, e, a nível interno, à aceitação e à adesão vacinais. No plano doméstico, crucial é a aceitação e a adesão à vacinação. À semelhança do verificado na terceira onda pandémica, urge identificar riscos e dificuldades que possam comprometer a imunidade de grupo e a indispensável recuperação social e económica do país.

Notemos, pois, nessa sequência, que com a diminuição significativa dos números de novos casos, de internamentos hospitalares e de óbitos, fruto do confinamento iniciado a 15 de Janeiro, tem-se assistido a uma nova desvalorização da pandemia e do risco da infecção. Os quase dois meses de confinamento, a fadiga pandémica e a chegada da Primavera voltaram a fazer parte da equação em sede de avaliação do risco. Acresce que o ruído descontextualizado sobre questões metodológicas e de segurança vacinal, para os quais existem mecanismos normais e institucionais de monitorização e avaliação, contribuiu, igualmente, para a síndrome de hesitação vacinal. Como tal, é fundamental esclarecer que o vírus SARS-CoV-2 não desapareceu, a doença não acontece só aos outros e a alternativa à vacina não é a emergência miraculosa de protecção individual e colectiva.

Chegados a este ponto, que requereu empenho, dedicação, diligência de muitos, não podemos agora sucumbir à "variante lusitana", a qual, no âmbito de uma multitude de variantes virais, consiste na pior das variantes. Uma variante caracterizada pela falta de fundamentação, falta de planeamento, falta de monitorização e falta de capacidade de avaliação e correcção no terreno. Uma variante que inclui um conjunto de omissões e de fragilidades a que podemos chamar, grosso modo, "variante lusitana", também caracterizada por uma deficiente percepção do risco e do impacto da pandemia.

E a luta contra a referida variante nacional passa pela inexorável noção de que a vacinação contra a covid-19, que começou no final de Dezembro de 2020, constitui uma das mais relevantes soluções no combate à pandemia, senão a mais importante, sendo, consequentemente, necessário criar condições para alcance da maior taxa de cobertura vacinal no mais curto intervalo de tempo. Para a "variante lusitana" não será criada vacina, todavia o antídoto já é de todos conhecido: a valorização do conhecimento, da organização e do planeamento. Com a vantagem de depender apenas de nós!


Patricia Akester é fundadora do Gabinete de Propriedade Intelectual/Intellectual Property Office (GPI/IPO) e Associate, CIPIL, Universidade de Cambridge.

Filipe Froes é pneumologista, consultor da DGS, coordenador do Gabinete de Crise Covid-19 da Ordem dos Médicos e membro do Conselho Nacional de Saúde Pública

Escrevem de acordo com a antiga ortografia

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