Quando me falaram de que no Uzbequistão havia cerca de uma centena e meia de tipos de melancia, eu não queria acreditar. Só depois soube que, oblongo ou redondo, este fruto é realmente variado em diferentes partes do mundo. Só que neste antigo Estado soviético o culto pela melancia é verdadeiramente forte e um atrativo gastronómico e turístico, para além de representar um nível elevado de exportação. O Uzbequistão foi uma das zonas mais pobres da antiga União Soviética, com mais de 60% da sua população a viver em comunidades rurais densamente povoadas, mas teve antigamente uma grande importância como ponto de passagem da Rota da Seda, onde ainda se oferece uma experiência muito interessante sobre esse trajeto comercial histórico, ao qual os portugueses, guiados por Vasco da Gama, puseram termo no final do século XV. Presentemente, produz ouro, gás natural, produtos químicos e maquinaria e exporta algodão e frutos, com especial destaque para a grande variedade de melancia. Em Tasquente, a capital, fui ao mercado, onde nessa manhã havia uma mostra de diferentes tipos de melancia, com prova. Para além dos formatos, as diferenças estão sobretudo no doce e nas nuances de cor por dentro, penso eu. Olhando à volta, vi as pessoas locais, vestidas de forma tradicional e muito colorida, a falarem diferentes línguas entre si, talvez dependendo se a sua origem é uzbeque, tajique ou russa. Todas elas degustando pedaços de melancia. Porém, a cidade já recebe muitos ocidentais, o que a faz cosmopolita face ao resto do país profundamente tradicional. Aliás, conta-se que a cidade começou a ser industrializada nas décadas de 1920 e 1930. Em junho de 1941, a Alemanha invadiu a União Soviética, e o Governo soviético empenhou-se em transferir as fábricas da Rússia ocidental e da Ucrânia para Tasquente, preservando a capacidade industrial soviética. A população aumentou e a cidade floresceu. Até que um forte sismo, em 26 de abril de 1966, a destruiu quase por completo. Tasquente foi reconstruída pela força do comunismo, ao estilo do regime: grandes avenidas, estações de metro, grandes edifícios, como o Hotel Uzbekistan, e comboios estilo soviético, ou seja, o reflexo mais do que evidente do fenómeno de russificação, que obviamente tem legítimas interpretações diferentes. Quando a União Soviética foi dissolvida, em 1991, Tasquente era a quarta maior cidade e um centro de ensino e investigação nos campos das Ciências e da Engenharia, até para fazer jus ao seu pioneirismo na televisão - "Aqui nasceu a televisão!", podia ser um "slogan" promocional deste país. A primeira demonstração pública do mundo de um aparelho de televisão completamente eletrónico foi realizada em Tasquente, no verão de 1928, por Boris Grabovsky e a sua equipa. O método de Grabovsky, patenteado no ano de 1925 em Saratov, baseou-se num princípio então original de composição da imagem através do varrimento de feixes verticais e horizontais de eletrões sob alta tensão, que depois foi e ainda é usado em praticamente todos os televisores analógicos e outros equipamentos baseados em tubos de raios catódicos. Portanto, para além da promoção do país através dos atributos da sua capital, há o património de Samarkand, Bukhara ou Khiva, as obras de arquitetura islâmica, os mercados e os museus, tal como o Museu Savietsky, com tanto de espetacular como de controverso, localizado em Nukus, na região autónoma do Karakalpakstan, e que tem os espólios de artistas uzbeques que viram as suas obras proibidas e destruídas na década de 1930, por não estarem de acordo com a arte imposta. Porém, o Uzbequistão deu ao mundo a maior das artes impostas: a televisão. Aprendendo com os uzbeques, sempre que posso, como melancia, olhando o ecrã... por ser ainda mais nutritivo..Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.