Urbano
No fundo, estava a transformar-me no pior tipo de urbano. Culpa da cidade, mas em pequeníssima escala. A cidade tem sido bem-aventurança para outros tantos, e também já o foi para mim. Culpa minha, sobretudo, e por isso mudei-me eu.
O tipo de urbano em que eu me estava a transformar nunca arrisca e raramente experimenta. É céptico por disciplina militar e absoluto quase sempre. Vive refém da sua personagem e, na dúvida, acobarda-se.
O tipo de urbano em que eu me estava a transformar é de classe média e, para vários efeitos, um intelectual. Mas, mais do que isso, é uma subespécie de esteta: ao mesmo tempo cultor e polícia do bom gosto, obcecado com a medida certa e disposto a morrer se a ultrapassar.
Talvez devamos alguma coisa ao tipo de urbano em que eu me estava a transformar: sem ele, o abandalhamento era maior. Mas em nenhum momento ele se pode permitir a simples ideia de cair no ridículo, e isso não apenas lhe tolhe os movimentos, mas também lhe amputa os membros.
O tipo de urbano em que eu me estava a transformar está sempre em pose, sempre sob escrutínio. Não se esparrama no sofá a ver as raparigas do Sexo e a Cidade, nem vai ao café com as calças de andar em casa, nem bebe uma Super Bock pela garrafa - a não ser que esteja a cozinhar, com um jazz em fundo, e haja um fotógrafo por perto.
O tipo de urbano em que eu me estava a transformar está proibido de deslumbrar-se. Desconfia - em suma é isto. E, quando a vida finalmente nos ensina alguma coisa, é que o homem culto acredita. O ignorante, sim, desconfia - o homem culto acredita.
Muitas vezes não é autóctone, o tipo de urbano em que eu me estava a transformar, e outras tantas nem chega a pôr os pés na cidade. O tipo de urbano em que eu me estava a transformar é um estado de espírito. E um lodo.