Não é bem uma moda, mas sim uma vaga: uma série de filmes onde o romance é assumidamente lésbico. Hollywood parece estar mais à vontade com a temática gay e nos cinemas em streaming as histórias de amor entre mulheres deixam de ser raridades conforme se percebe nesta rentrée com vários títulos a serem lançados na mesma maneira. É como se o caminho tivesse sido pavimentado pelo sucesso de A Favorita, de Yorgos Lanthimos e o prestígio de Carol, de Todd Haynes..Na frente deste pelotão de filmes sem preconceitos parece estar The Prom, de Ryan Murphy, cineasta queer que adapta um musical que celebrava a diferença num liceu americano. O filme está a ser lançado à grande e em larga escala na Netflix, sem complexos e como se fosse um filme para toda a família..YouTubeyoutubeTJ0jBNa6JUQ.Nos EUA há quem pense que esta aposta em The Prom possa vir a ser o começo de um desmontar de receios e tabus para certos temas, sobretudo logo a seguir a The Boys in The Band, outra produção de Ryan Murphy com financiamento da Netflix e onde se filmava uma peça que celebra o orgulho homossexual. Mas The Prom, com vedetas como Nicole Kidman, James Corden e Meryl Streep, é mesmo para ser êxito mainstream e para figurar no top 10 da plataforma (ontem, em Portugal já era vice-líder), mesmo com algumas reservas da crítica - o livro de estilo estético do realizador enjoa quem tem problemas com excesso de cor e rococó de direção artística..A pensar nos Óscares e vindo de Inglaterra com anuência de Hollywood está Ammonite, que em Portugal não tem ainda data de estreia. Com Saiorse Ronan e Kate Winslet, o filme de Francis Lee, cineasta abertamente gay, é uma celebração do amor lésbico, um romance entre duas mulheres no mundo das descobertas fósseis do século XIX numa sociedade repressiva. Filmado com decoro e subtileza, Ammonite baseia-se em parte na vida da paleontologista Mary Anning. Em Inglaterra foi lançado com uma campanha generalista e sem o habitual procedimento de "nicho" de pequeno filme de transgressão..Por motivos de estratégia de mercado e a habitual desconfiança portuguesa, The World to Come, de Mona Fastvold, com a dupla Katherine Waterston e Vanessa Kirby, não vai chegar aos cinemas portugueses, estando apontado para chegar aos clubes de vídeo das operadoras. Ainda assim, nesta temporada, chegou com força aos principais festivais - em Portugal teve direito à seleção oficial do Leffest. Trata-se de uma história de amor entre duas mulheres no Oeste americano do começo do XIX. Duas mulheres casadas que se conhecem numa terra virgem e sem apelos. Sem se aperceberem, apaixonam-se e nunca conseguem esconder uma atração que é também bastante sexual. A nórdica Mona Fastvold, mesmo filmando para a Sony, aposta em cenas de intimidade coreografadas com um requinte feminino invulgar no panorama americano. The World to Come é sobretudo de uma honestidade muito bonita..Impossível nesta vaga não reparar em Kajillionaire, de Miranda July, conto de pequenos golpes de uma família disfuncional de Los Angeles. Evan Rachel Wood é uma jovem mulher abusada pelos pais fraudulentos e que não consegue relacionar-se com ninguém. A sua revelação de identidade sexual acaba por aparecer quando menos não se espera. O filme de July não é nenhuma bandeira da causa gay nem nenhum panfleto de "orgulho gay" mas trata as personagens com uma singularidade tremenda. Outro dos que não vai ter aposta nos cinemas portugueses....Para o natal, o serviço Hulu na América ofereceu a comédia romântica Happiest Season, da cineasta Clea DuVall, onde brilha o par Mackenzie Davis e Kristen Stewart, a história de um natal onde uma destas namoradas tem de sair do armário perante a sua família conservadora. Happiest Season é um objeto pensado em termos didáticos e com mensagem inclusiva. Para muitos, é apenas uma ideia de "marketing" com tema, para outros tem de ser visto como uma comédia romântica de fórmula de indústria apenas com a diferença de não haver um casal hetero..A verdade, no meio de toda esta vaga, é que o cinema americano está a ficar menos heteronormativo, corre mais riscos, acredita que o público está mais tolerante, mesmo quando muitas vezes olha também para estes temas como potencial de mercado e de público-alvo. Sabe-se que por exemplo a Marvel em Eternos terá uma personagem gay e que Everybody's Talking About Jamie será um musical de grande público para celebrar a liberdade de escolha de um menino que quer ser drag-queen..Mas esta tendência não é só em Hollywood. Depois do sucesso de Retrato da Rapariga em Chamas, de Celine Sciama, a França tem Deux, de Filippo Meneghetti, história de duas senhoras que na última fase das suas vidas assumem uma relação amorosa. O filme é o candidato francês ao Óscar de melhor filme internacional e isso é mais do que um sinal. Também Paul Verhoeven, depois de Ela, está de regresso ao cinema francês e deve ir a Cannes 2021 com Benedetta, história erótica de uma freira lésbica na Itália do século XVII..YouTubeyoutube86MKXVYlVlA.Em Portugal, Gonçalo Almeida estreou este ano nos cinemas o thriller Faz-me Companhia, com duas mulheres apaixonadas numa piscina com um espírito sinistro. Não causou estremecimento nem escândalo. Era sobretudo um objeto bem estimável com duas atrizes com uma química assombrosa: Cleia de Almeida e Filipa Areosa.