O governo norte-americano está, desde a meia-noite de sexta-feira, madrugada de sábado em Portugal, encerrado. Isto significa que cerca de 380 mil funcionários de nove departamentos e agências federais dos EUA serão mandados para casa, sem direito a salário enquanto durar o shut down. Outros 420 mil irão trabalhar, como os guardas fronteiriços, por exemplo, requisitados pelo Estado, mas também não receberão qualquer salário..A razão para esta paralisação dos serviços do Estado é a não aprovação de verbas - no âmbito da aprovação do Orçamento - para o muro que o presidente Donald Trump prometeu, na campanha eleitoral de 2016, construir na fronteira entre os EUA e o México. Num braço-de-ferro com o Congresso, Trump pretendia obter seis mil milhões de dólares (5,2 mil milhões de euros) para a construção do muro. O valor pedido era irrealista e deixou desagradados vários importantes senadores, sobretudo democratas. Não foi possível chegar a nenhum consenso, em tempo útil. Por isso, os departamentos da Agricultura, Comércio, Segurança Interna, Habitação, Interior, Justiça, Negócios Estrangeiros, Transportes e Tesouro vão encerrar enquanto durar o impasse..Há, no entanto, um problema maior: como avaliar a mais emblemática promessa eleitoral de Donald Trump? As referências ao muro são anteriores à sua própria candidatura..Em 2016, o candidato garantiu que, se ganhasse as eleições, na Casa Branca trabalharia "desde o primeiro dia num muro na fronteira sul que seja impenetrável, sólido, alto, poderoso e bonito"..Nessa altura já existiam pedaços de muro, e barreiras construídas, ao longo de 930 quilómetros da fronteira entre os EUA e o México. Começaram a ser construídos em 1994, na presidência de Bill Clinton. Mas Trump quer um muro que cubra todos os 3200 quilómetros da fronteira. E isso é uma tarefa quase impossível. Por várias razões....1 - Ninguém parece saber quanto custa.Para o presidente Donald Trump, construir o muro custará entre oito e 12 mil milhões de dólares. É, naturalmente, a previsão mais baixa de todas as que se conhecem. Um membro do seu partido, o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, garante que será um pouco mais caro do que isso: entre 12 e 15 mil milhões de dólares. A Bernstein Research, uma empresa de Wall Street, vai um pouco mais longe: entre 15 e 25 mil milhões. Nesse intervalo fica também a previsão feita pelo departamento responsável pela construção do muro, a Segurança Interna: entre 21,6 e 25 mil milhões. Há várias outras estimativas mais caras. Os senadores do Partido Democrata estimam o custo final nos 70 mil milhões de dólares - que é quase o valor dos empréstimos da troika a Portugal em 2011..2 - Ninguém quer pagar.Donald Trump não queria apenas um muro longo e "bonito". Queria que o México o pagasse..Como? Há um projeto detalhado no site oficial da candidatura. A última vez que o repetiu foi na semana passada, em maiúsculas, e com ponto de exclamação, no Twitter. Disse-o, pelo menos, outras 20 vezes nos últimos dois anos. "O México vai pagar o muro!".Mas há um problema: o México não quer pagar o muro. Por isso, Trump ensaiou outro discurso. Os EUA vão adiantar o dinheiro da construção do muro, e o México restituirá esse valor mais tarde..Mas nem isso o presidente conseguiu, porque o Congresso não lhe adiantou o dinheiro que precisava. Por isso, Trump ensaia agora uma nova tentativa. O México vai pagar "indiretamente" o muro, através do lucro que os EUA contam ganhar com os novos acordos comerciais entre os dois países..O argumento é demasiado falível. Poder-se-ia argumentar, com o mesmo rigor, que o México vai pagar as experiências da NASA na Via Láctea. Ou que pagará os salários de uma parte do Exército americano..Mais perturbador ainda: Se o México vai pagar, ainda que "indiretamente", por que razão nem a porta-voz de Trump consegue explicar como? Sarah Sanders foi questionada sobre o assunto na passada terça-feira e explicou, perante a surpresa dos jornalistas, que o muro afinal será pago pelos "lucros adicionais" que a administração norte-americana espera obter com os acordos comerciais..3 - A maioria dos americanos opõe-se.O muro era, e continua a ser, um trunfo político para Trump. Desde logo porque mobiliza a sua base eleitoral em dois assuntos que lhe rendem votos: imigração e criminalidade. Trump mistura os dois, desde que se candidatou. Certa vez, num comício, disse que os mexicanos que chegavam aos EUA eram "pessoas com muitos problemas, que trazem esses problemas para cá. Trazem drogas. Têm trazido crime. Eles são violadores. E alguns, presumo, são boas pessoas.".Os insultos continuaram..Mas o instituto de sondagens Gallup fez a pergunta, em junho, a uma amostra de 1500 americanos: concorda com o aumento significativo do muro na fronteira com o México? 57% dos americanos opõem-se. Mais curiosa é a clivagem política. A esmagadora maioria dos republicanos concorda com Trump e acha que o muro deve avançar. Inversamente, os democratas discordam do muro em larga escala..Talvez seja esta a mais forte razão para ainda haver um plano para o muro..4 - Há zonas onde não se pode erguer um muro.Nesta fase tudo se complica ainda mais. Há uma parte da fronteira que fica nos baixios do rio Grande. É impossível construir um muro a meio do rio (até porque um acordo do século XIX entre os EUA e o México o impede). Erguer barreiras nas margens é ainda mais difícil, porque implica doar parte do território ao outro país..Se isso não bastasse, ao longo dos três mil quilómetros da fronteira há desertos com dunas que se movem, há montanhas, há reservas naturais partilhadas entre os dois países, onde vivem animais que não praticam o conceito de fronteira....5 - E, mesmo que tudo o resto se resolva, serve para quê?.Embora a utilidade do muro seja confirmada por 89% dos guardas de fronteira, que dizem ser um auxílio estratégico para manter a segurança, a dúvida persiste..Por razões políticas, ambientais, humanitárias e comerciais, o muro pode ser visto como um problema grave..O xerife do condado de Santa Cruz, Tony Estrada, resume o problema, numa reportagem da BBC: "Nenhum muro, não importa quão bonito, grande ou caro, vai parar as pessoas que estão desesperadas, carentes e pobres."