Supremo: a nomeação que pode mudar os EUA

Trump anuncia na segunda-feira o nome do escolhido para suceder ao conservador Anthony Kennedy no Supremo Tribunal dos EUA, numa decisão que os liberais temem que possa pôr em risco, por exemplo, a legalização do aborto
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Anthony Kennedy é o decano dos juízes do Supremo Tribunal dos EUA, tendo sido nomeado em 1988 pelo então presidente Ronald Reagan. Os 30 anos no cargo e o facto de já ter 81 anos de idade não retiraram contudo surpresa ao anúncio de que este conservador que votou ao lado dos liberais em matérias como o direito ao aborto ou a legalização do casamento homossexual se vai reformar no fim de julho. Uma decisão que permite a Donald Trump, há menos de dois anos na Casa Branca, nomear o seu segundo juiz para a mais alta instância judicial dos EUA. E moldar - até muito depois de ter deixado o poder - não só este tribunal, como o próprio país.

"O juiz que Trump nomear pode muito bem ser o voto decisivo no Supremo nas próximas décadas", disse ao DN o professor de Direito da Universidade George Washington, David Fontana. Sem Kennedy, que balançava entre conservadores e liberais, o tribunal fica empatado: quatro para cada lado. Trump reforçará o lado conservador. "É seguro dizer que, de uma forma geral, esta nomeação vai balançar o tribunal para a direita, mas é impossível prever em questões específicas", indicou Fontana, numa referência à eventual decisão de reabrir o debate sobre o direito ao aborto com a revisão da decisão Roe v. Wade, que o legalizou a nível nacional em 1973. Mas já lá vamos.

Candidatos

O trabalho de casa para a sucessão a Kennedy já estava feito, uma vez que Trump tinha preparada uma lista de 25 nomes, da qual já tinha saído o de Neil Gorsuch, que nomeou para o Supremo em janeiro de 2017, o mesmo mês em que sucedeu a Barack Obama. Durante quase um ano, a maioria republicana no Senado (onde os nomeados têm que ser confirmados) travou o escolhido do ex-presidente democrata para suceder ao juiz conservador Antonin Scalia, que morrera em fevereiro de 2016. O nomeado de Trump será conhecido esta segunda-feira, 9 de julho.

Dessa lista de 25, três juízes dos tribunais de recurso federais são considerados os favoritos pela imprensa americana: Amy Coney Barrett, do 7.º Círculo (Indiana, Ilinóis e Wisconsin), Raymond Kethledge, do 6.º Círculo (Kentucky, Michigan, Ohio, Tennessee) e Brett Kavanaugh, do Círculo do Distrito da Colúmbia (Washington D.C.). Fazem parte de um grupo restrito de sete que Trump entrevistou esta semana. "Temos que escolher um candidato excelente", disse Trump no início do processo, "um que fique por 40 ou 45 anos", indicou.

O cargo de juiz no Supremo é vitalício e só o próprio pode tomar a decisão de sair (Kennedy junta-se a outros três juízes que se reformaram e ainda estão vivos). Em funções, além do seu sucessor, ficará um nomeado por George H.W. Bush, dois por Bill Clinton, dois por George W. Bush, dois por Barack Obama e um por Trump. Com 50 anos, Gorsuch é o mais novo dos atuais juízes (três mulheres e seis homens). A média de idades ronda os 69 anos, sendo a juíza mais velha a liberal Ruth Bader Ginsburg, de 85 anos, nomeada por Clinton em 1993. Se morrer ou se reformar durante a presidência de Trump, este tornará o Supremo ainda mais conservador. Mas RBG, como é conhecida, recusa afastar-se e tem uma saúde de ferro, treinando duas vezes por semana com o seu personal trainer (numa rotina que já foi publicada em livro e que mostrou, em março, num episódio do Late Show de Stephen Colbert).

Roe v. Wade

O Supremo Tribunal tem a palavra final sobre uma série de leis e disputas entre os estados e o governo federal, com os juízes a analisar cerca de cem casos todos os anos. Uns passaram pelas instâncias inferiores do poder judiciário, outras são dirigidas diretamente ao Supremo. As grandes decisões são conhecidas em junho, sendo que muitas fazem jurisprudência.
Numa das últimas decisões, o Supremo validou por exemplo a travel ban de Trump, que proíbe a entrada nos EUA de cidadãos de sete países, cinco deles de maioria muçulmana. "As decisões do tribunal que interpretam a Constituição só podem ser anuladas por emendas constitucionais. Outras decisões podem ser anuladas com mais facilidade", lembra Fontana. Em causa está a Roe v. Wade, mas também os direitos homossexuais, a discriminação positiva nas universidades ou até o controlo das armas.

Se a decisão Roe v. Wade for revogada, há 24 estados com história de limitar a interrupção da gravidez que podem levar essas restrições mais longe, com pelo menos quatro a proibi-la de imediato. Há casos, como no Iowa, onde o debate já está em curso, com o governador a assinar uma lei que proíbe o aborto caso seja detetado o batimento cardíaco do feto, o que pode ser logo às seis semanas de gravidez (e há mulheres que só descobrem que estão grávidas depois).
Em campanha, Trump disse que iria nomear juízes pró-vida para o Supremo, e apesar de agora dizer que não irá perguntar aos candidatos diretamente se querem revogar ou não a Wade v. Roe, o tema será central nas audiências do Senado.

A confirmação

"A nomeação será a parte fácil, o verdadeiro combate acontece depois", dizia um jornalista da MSNBC esta semana. Os juízes têm que ser confirmados pelo Senado e, neste momento, os republicanos têm a maioria pela margem mínima (51 contra 49). Na prática, isso significa que o candidato de Trump tem luz verde para a confirmação, mas há pelo menos três senadoras republicanas que já deixaram claro que não vão apoiar alguém que queira revogar o direito ao aborto.

"Acho que deixei muito claro que se um nomeado demonstrou hostilidade à Roe v. Wade e diga que não vai respeitar esse precedente histórico, que não poderia apoiar esse nomeado", disse a senadora Susan Collins. Por outro lado, há democratas que são pró-vida e que podem votar ao lado dos mais conservadores neste tema. A confirmação de Gorsuch contou com o voto favorável de três senadores democratas, de estados onde Trump tinha ganho as presidenciais.

Perfis

Raymond Kethledge: O outsider do Michigan
Tem 51 anos e estudou Direito no Michigan, onde abriu o seu escritório de advogados depois de trabalhar com o juiz Anthony Kennedy, cuja reforma deixa uma vaga no Supremo Tribunal. Foi nomeado por George W. Bush para o tribunal de recurso do 6.º círculo. Não se conhece a sua posição sobre o aborto, mas foi conselheiro do senador Spencer Abraham, que defendia banir esta prática.

Brett Kavanaugh: Da investigação a Bill Clinton à equipa de Bush
Tem 53 anos, estudou em Yale e trabalhou para o homem que agora pode substituir. Esteve na investigação ao ex-presidente Bill Clinton, sobre o caso Lewisky, e foi assessor na equipa de George W. Bush. Juiz de recurso no Distrito da Colúmbia, mexe-se bem no círculo político de Washington. Em outubro, esteve na decisão (depois revogada) de proibir uma jovem imigrante ilegal detida nos EUA de abortar.

Amy Coney Barrett: Católica e mãe
Com 46 anos, seria a mais jovem juíza do Supremo Tribunal dos EUA. Estudou na Notre Dame Law School, onde agora é professora, tendo sido nomeada por Donald Trump para o tribunal de recurso do 7. círculo. Na confirmação do Senado, contou com o apoio de três democratas. Católica e mãe de sete filhos, foi questionada sobre se não iria deixar as suas crenças religiosas prevalecer sobre a lei. Amy Barrett já disse publicamente estar aberta a revogar precedentes, o que pode significar estar disposta a rever a Roe vs. Wade.

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