A lembrança tornou-se distante e desfocada: o clube que há um ano e meio parecia um gigante à deriva voltou a ser um colosso continental, a brilhar como não luzia desde a década de 50 do século passado. Um herói inesperado, Zinedine Zidane, resgatou o Real Madrid dos escombros de Rafa Benítez para o devolver à glória europeia, uma e outra vez. Em 519 dias, o treinador francês ganhou quase tudo e conquistou a capital espanhola, com uma lição de gestão e psicologia..Há muito de Zidane na Liga dos Campeões revalidada no sábado pelo Real Madrid (com uma estrondosa goleada sobre a Juventus, 4-1). Pelo jeito como na estreia entre a elite, resgatou o projeto madrileno do presidente Florentino Pérez (caído numa encruzilhada, a meio de 2015/16, após o fracasso de Rafa Benítez). E pela forma como levou o emblema blanco à conquista simultânea dos títulos espanhol e europeu - como os merengues não conseguiam desde 1957/58..Os méritos do técnico gaulês, de 44 anos, estão na gestão do esforço das estrelas (com Cristiano Ronaldo à cabeça) e no envolvimento de todo o plantel na caminhada triunfal do Real Madrid esta temporada - onde só falhou na Taça do Rei, afastado pelo Celta, nos quartos-de-final. "A boa gestão do plantel a nível físico, tático, técnico e psicológico foi fundamental", descreve, ao DN, Miguel Ángel Portugal, espanhol que treinou as equipas B e C do Real Madrid entre 1997 e 1999 e de 2004 a 2006 e tem larga experiência nas ligas profissionais do país vizinho.."Zidane soube dosear os esforços de todos os jogadores, para que os mais importantes do plantel chegassem bem ao final da Champions e da liga. Tanto Cristiano Ronaldo como Benzema, Modric,Toni Kroos ou Casemiro chegaram em muito boa forma a esta fase", nota o ex-técnico do Valladolid. No caso do português, uma máquina competitiva habituada a perseguir marcas históricas a cada jogo da liga espanhola, isso obrigou-o a ficar mais vezes na bancada. Mas, em compensação, rendeu-lhe 16 golos nas últimas dez partidas da temporada (10 em cinco jogos da Champions).."Cristiano percebeu perfeitamente que não pode jogar 60 jogos por ano. Não há jogador que o consiga com alto rendimento. As estrelas não chegam para tudo: é para isso que lá estão os outros. E todos o compreenderam", aponta Miguel Ángel Portugal. Na verdade, essa é a outra face do mérito de Zinédine Zidane: "Numa equipa que luta por vários títulos, conseguiu gerir egos para que todos se sentissem identificados com o projeto e implicados nele", acrescenta o técnico..Cinco títulos em 519 dias.Mesmo atletas afastados das opções primordiais do treinador francês e em vias de deixar o clube, como Pepe (18 jogos, 1460 minutos) e James Rodríguez (33 jogos, 1824 minutos) deram o seu contributo. "Não sendo primeiras escolhas, Pepe, Nacho, James, Lucas Vázquez, Morata ou Asensio também foram determinantes. Não foi uma equipa de 11 jogadores que ganhou, foi o plantel, como Zidane sempre disse", explica Miguel Ángel Portugal..E se, 15 anos depois do clímax da era galática (a conquista da Liga dos Campeões de 2002), este não é um Real Madrid "de Zidanes e Pavones" (estrelas mescladas como produtos da formação), a verdade é que o técnico não enjeita sementes da cantera como Carvajal, Lucas Vázquez ou Morata - a que podem juntar vedetas como Mbappé, num eventual negócio-recorde (a Radio Monte Carlo fala de 135 milhões de euros). "Ele construiu uma equipa muito equilibrada, com jovens e menos jovens", conclui Ángel Portugal..Por tudo isso, Florentino Pérez já diz que "Zidane pode ficar no Real Madrid o resto da vida". O treinador não vai em juras de amor eterno: "Não posso dizer se ficarei para sempre, mas estou muito agradecido ao clube por tudo o que me tem dado", responde. Mas tem um lugar perene na história blanca: com duas Ligas dos Campeões, um Mundial de Clubes, uma Supertaça Europeia e uma liga espanhola conquistadas desde que, a 4 de janeiro de 2016, trocou a equipa B pela equipa A do Real, já é o quinto treinador mais bem-sucedido de sempre no clube.