O fim das restrições de lotação nas salas cai que nem ginjas para o principal evento francófono em Portugal. A Festa do Cinema Francês tem mais de 50 filmes e trunfos fortíssimos para encher as salas das nove cidades que atravessam o país. Entre as habituais antestreias, ao ciclo ACID, sessões para os mais jovens e a Segunda Chance (oportunidade para recuperar filmes mal estreados devido ao período das restrições...), esta 22.ª edição quer também prolongar-se ao longo do ano. Além da programação, Le Tour do Cinema Francês por Portugal é uma nova iniciativa com a NOS Cinemas a fim de promover o cinema francês fora dos grandes centros. Uma iniciativa notável..Do foco a Mia Hansen-Love, cineasta que tem vindo a mostrar um cinema que faz um compromisso entre um certo classicismo e um olhar eminentemente cinéfilo, destaca-se a antestreia de A Ilha de Bergman, com Tim Roth e Vicky Krieps. Trata-se da primeira obra da cineasta em inglês e é uma viagem até Fãro, ilha sueca onde Ingmar Bergman viveu e filmou. O filme esteve na seleção de Cannes 2021 e a realizadora estará em Portugal para o apresentar..Prato forte desta festa são sempre as antestreias. Destaque para Um Triunfo, de Emmanuel Courcol, com Kad Merad, aqui na pele de um ator desempregado que relutantemente começa a fazer um workshop de teatro numa prisão. Mais tarde, desenvolve uma forte ligação com os atores detidos e nasce um espetáculo a partir de À Espera de Godot, que acaba por partir em digressão pelos mais prestigiados teatros franceses. Comédia de afetos subtis, Un Triomphe teve estreia na penúltima edição de Cannes e é uma prova de que o mainstream francês também consegue oferecer filmes que não nos embrutecem. Bela surpresa..Destaque ainda para Uma Paixão Simples, de Danielle Arbid, este já estreado no LEFFEST do ano passado. Um conto erótico de uma mulher que se deixa arrebatar com uma ligação sexual com um homem mais novo do que ela. Arbid consegue fazer um filme erótico sem o chamado male gaze, apresentando uma tese sobre liberdade sexual feminina. O resultado é um potente drama humano filmado com um estremecimento raro. Obra também alavancada por uma imensa Laetitia Dosch..Nesta lista de antestreias, há também algumas desilusões, a começar com o caso do novo de Laurent Cantet, Arthur Rambo, o caso de um escritor jovem de origem argelina confrontado com a exposição de alguns dos seus tweets na personagem Arthur Rambo, um provocador que faz um humor de choque capaz de brincar com terroristas e incentivar a cultura antissemita. Fica-se sempre com a sensação de que Cantet está tão fascinado com estes temas das perseguições digitais e das redes sociais que se esquece de encher o filme com...cinema. Foi uma das deceções do Festival de San Sebastián, mesmo que seja fácil admitir que é um objeto sobre todos nós e os novos tempos da cultura de cancelamento..Outra das deceções desta Festa é Sob as Estrelas de Paris, de Claus Drexel, onde temos uma Catherine Frot como sem-abrigo numa Paris que a faz conviver com Suli, um menino eritreu perdido da sua mãe. Ensopado de um sentimentalismo que já não se usa, é também um amontoar de agenda de boas intenções..Amanhã o desfile das antestreias abre com Eiffel, de Martin Bourboulon, com Romain Duris na pele do famoso criador da Torre Eiffel. Assume-se como um biopic clássico com uma nuance de história de amor. Enquanto isso, em Lisboa a Festa termina com outro dos títulos cannoises, A Voz do Amor, de e com Valérie Lemercier, uma visão muito livre do percurso de ascensão de Céline Dion. A moda das biografias no cinema francês parece ter vindo para ficar..Visões do Fantástico é um programa de cinco filmes que reflete uma possibilidade de o cinema francês trabalhar com géneros. É lá por exemplo que se encontra Mandíbulas, de Quentin Dupieux, comédia de fantasia que recentemente saiu das salas com números miseráveis. Para lá deste simpático delírio há ainda Clímax, de Gaspar Noé (que poderia e deveria estar na Festa com o excitante Vortex) e Ela, de Paul Verhoeven....dnot@dn.pt