Uma espécie de Madame Butterfly no Médio Oriente

Artistas Unidos apresentam <em>Retrato de Mulher Árabe Que Olha o Mar</em> até 8 de dezembro no Teatro da Politécnica, em Lisboa
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Ela estava a passear com as amigas na Cidade Velha. Ele viu-a e ficou encantado com a sua beleza. Ela a ver o mar, com um lenço sobre a cabeça. Ele está de passagem, em trabalho. E o som das ondas acompanhando o início desta relação. "Ela apaixona-se por aquele homem europeu, ele promete-a levá-la para a sua terra mas depois não cumpre a promessa. E depois ela tenta vingar-se", resume o encenador Jorge Silva Melo sobre a peça do italiano Davide Carnevali, Retrato de Mulher Árabe que Olha o Mar, que estreia quarta-feira no Teatro da Politécnica, em Lisboa. "Esta é a história da Madame Butterfly no Médio Oriente."

Mas esta não é só uma história de amor. Não sabemos muito sobre estas personagens, não sabemos o que fazem ou o que as move. Também não sabemos exactamente onde se encontram, apenas que a história acontece num país árabe, algures no norte de África. Mas sabemos que cada um tem a sua cultura, a sua língua, as suas raízes. O "outro" não é apenas diferente, é desconhecido. "O que é que a Odalisca de Matisse pensa quando olha para nós? Essa é a pergunta que fazemos aqui", explica Jorge Silva. Haverá uma aproximação possível? Ou tudo não passa de uma ilusão?

"Em última análise, este é um texto sobre a nossa incapacidade ou falta de vontade de aprofundar o conhecimento do estranho e investigar diferenças culturais - e portanto linguísticas", explica o autor, Davide Carnevali. "O homem europeu chega, apodera-se do que quer e vai-se embora, tal como a Europa fez durante o colonialismo, sem compreender verdadeiramente o valor das suas ações e as consequências desastrosas do seu comportamento."

Ele faz-lhe promessas. Ela acredita. Olha o mar e sonha com a viagem, com a Europa. Quer sair dali. Ele mente-lhe, engana-a.

O abismo da relação entre homem e mulher, é o abismo do Mediterrâneo, no acesso à Europa, mas também é criado pela incapacidade de se identificar com o outro, com o estranho, de integrar diferentes perspetivas, diferentes modos de vida, tema também presente em Sweet home Europe, peça anterior de Davide Carnevali, que teve estreia em 2012, em Berlim, e foi encenada por João Pedro Mamede no Teatro Nacional D. Maria II, em março desde ano, com o continente europeu sintomaticamente representado num enorme e impossível campo de pregos.

Aqui, no palco quase nu, com cenário de José Manuel dos Reis, o azul translúcido do mar e as areias tórridas do deserto são evocadas nas telas de Pedro Chorão que vão sendo projetadas.

Retrato de Mulher Árabe Que Olha o Mar
de Davide Carnevali
Encenação de Jorge Silva Melo
Interpretação de Inês Pereira, João Meireles, Nuno Gonçalo Rodrigues e Margarida Correia
Produção dos Artistas Unidos
Teatro da Politécnica, Lisboa
de 31 de outubro a 8 de dezembro

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