Uma costureira, um sexólogo e a nossa generosidade

Publicado a
Atualizado a

Numa redação de colegas doutos e experientes, eu, jovem jornalista, fui atirada às feras. Enviada ao Porto para cobrir um congresso de sexologia - tema apelativo mas sem especialistas ou voluntários para o tratar -, cheguei à estação de São Bento muito em cima da hora. Quando tudo podia correr mal, com um frio de rachar, do meu casacão caiu o único botão que impedia o vento gélido de me enregelar. Corri para a Baixa e entrei numa retrosaria esbaforida. Contei a minha desgraça à empregada de balcão e pedi um carro de linhas e uma agulha.

- Nem pense nisso, tome lá uma agulha e linha e cosa aqui!

Do outro canto da loja saiu mais uma ajuda.

- Ó menina, dê cá o botão que nunca mais cai!

Uma costureira ali mesmo à mão de semear. E generosa. Enquanto cosia o botão (e nunca mais caiu) desabafei, até indelicada, a minha pressa para chegar ao Hospital de São João, onde o congresso já tinha começado. O marido da costureira, taxista reformado, prontificou-se a levar-me. Tinha ainda assim falhado a hora da entrevista com um especialista, na altura desconhecido para mim, mas já tão famoso para o país. Senti-me desesperada na missão. Esperei até ao fim, já noite cerrada, e timidamente tentei fazer duas ou três perguntas, das muitas que levava para o sexólogo. Terminei a fazer uma bela entrevista na Avenida dos Aliados e a desfrutar de um pedaço de conversa culta e interessante com Júlio Machado Vaz, que esteve de pedra e cal comigo até perto das duas da manhã.

Naquele dia tive uma dose concentrada de generosidade e simpatia, que muitas vezes não valorizamos. Somos assim, prontos, sem dar conta. E estamos no top dos países mais acolhedores. Quem vem de fora sente-o. A simpatia, valor imaterial, é tão importante para o turismo, a árvore das patacas portuguesa, como as paisagens, a gastronomia ou os hotéis. Há pouco dias, o designer e arquiteto francês Philippe Starck confessou que, depois de muitas andanças pelo mundo, mudou-se para Portugal porque se apaixonou pelo ambiente caloroso. Portugal está na moda - não só mas também por isto.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt