Uma causa nossa, não de esquerda nem de direita
O livro de José António Saraiva é mau. E é tal a unanimidade que muitos acham que é necessário cuspir em quem marcha ao lado deles. "Este tipo também não gosta do livro do Saraiva?! Aqui, comigo?!" Compreende-se a reação de enxotar imprevistos vizinhos: passamos a vida a insultá-los e ao apanhá-los companheiros de causa, mesmo que breve, faz-nos duvidar das nossas ideias sobre o tal livro mau. Um parêntese: talvez se surpreendam do "mau", adjetivo quase branco. Mas é o apropriado, porque não devíamos tratar este grave assunto com gritos. Não estamos habituados a ele. Devemos tratá-lo de forma simples como com aquilo no chão que não queremos que o bebé toque: "Não, não toca", ensinamos, abanando veemente a cabeça. Fecho parêntese. O livro ser mau, como a coisa suja no chão, explica a unanimidade. Todos percebemos que seria pior o mundo se perdêssemos a nossa tradição de não escrever livros como o do Saraiva. Não tenham ilusões, vamos perder. Há dias, o cronista João Lopes denunciou, aqui no DN, a nossa falta de atenção ao desumano dos reality shows. O livro do Saraiva é dessa família, tem o efeito corruptor da Endemol, mas desta vez os humilhados não são pobres diabos. Por atingir políticos levou à tal reação posterior à unanimidade inicial: "Tu, aqui? Mas antes não disseste nada..." Reação tola, porque as vítimas são de todas as cores. E o Saraiva não é de esquerda nem de direita, é só o autor de um livro mau. Contra nós.