Fui surpreendido por um artigo [de opinião] publicado no DN, com a "prova de vida de Torres Couto". Uma prova de vida contra mim e a minha verdadeira vida, denegrindo-a. Pretendeu o autor impor aos leitores do DN a sua própria perspetiva, prenhe de subjetivismos, apriorismos, preconceitos e ódios de estimação. O que não é próprio de um historiador..Citando o Papa Francisco, a minha vida não foi uma vida igual à água destilada, foi de água alcalina, com um satisfatório grau de pureza. Cresci no seio de uma família tradicional. Fui para a Guerra Colonial. De regresso, comecei a trabalhar numa empresa do Grupo CUF, com uma promissora carreira profissional. Depois do 25 de Abril, saí da minha zona de conforto e vim para a primeira linha do necessário combate pela Democracia e Liberdade. Liderei a Fundação da UGT. Fui sempre um sindicalista com forte intervenção política. Estive com Mário Soares e Salgado Zenha na organização e mobilização da manifestação da Fonte Luminosa e na liderança do transcendente comício contra a unicidade sindical..Estive no Porto, lutando contra o cerco ao Palácio de Cristal (Congresso do CDS). Ajudei a retirar para o Porto, com outros democratas, escondidos nos nossos próprios carros, os membros do Governo à época, para os colocar a salvo das tentativas golpistas em marcha. Membro do PS, aceitei o convite/desafio de Francisco Sá Carneiro para o acompanhar, com outros líderes patronais, num périplo pelas capitais europeias para apresentarmos a imagem de um Portugal democrático, em contraponto à imagem de um país revolucionário. Fui o primeiro líder de uma organização social portuguesa a defender, com as devidas cautelas, a nossa adesão à CEE; isso, quando o conjunto das organizações patronais eram contra..Fui negociador e signatário do Programa de Recuperação Económica e Financeira, o primeiro pacto tripartido celebrado em Portugal, sob a égide do Professor Hernâni Lopes, vital para o acordo com o FMI, que nos salvou da iminente banca rota.Estive na primeira linha da defesa da Concertação Social e negociei vários acordos. O último que negociei, com o Professor Cavaco Silva, deu origem a uma tempestade política, com forte oposição do Presidente da República. Como sempre, no respeito pela independência da UGT, resisti a essas pressões. Aí, começou o vergonhoso processo contra a UGT, através de uma campanha orquestrada pelo Independente, em conluio com os acusadores, visando atacar Cavaco Silva e a UGT e funcionando como trampolim para o salto posterior de Paulo Portas para a política. Foram anos de sucessivas calúnias, alimentadas por criminosas violações do segredo de justiça, julgando-nos e condenando-nos na praça pública..Fui escrutinado sem limites, as minhas contas bancárias e o meu "património" foram vistos e revistos, à lupa. Como nada foi encontrado, os acusadores não tiveram a coragem, nem a dignidade, de recuar e, tentaram, como pirómanos, "fazer alastrar o fogo, sem que existisse sequer fumo"..Resisti, contra todos os abusos. Denunciei-os de forma enérgica. Fui julgado por um tribunal coletivo em dedicação exclusiva, uma reivindicação minha. No final de uma longa audiência, fui absolvido, eu, a UGT e os seus principais dirigentes. Os 3 magistrados alegam "ter se concluído não haver prova dos factos imputados na acusação". Em nome da verdade, enviei cópia do Acórdão ao DN, nele consta: - Ninguém da UGT desviou um centavo. Não se provou qualquer plano criminoso. Só se apurou uma irregularidade administrativa em dois dossiers de saldo, entre largas centenas, com vantagem para a UGT de 0,7% no total dos valores da formação de 1988 e 0,8% de 1989. Sobre os mesmos, diz o Acórdão: - "Verifica-se, pois, que pode concluir-se com segurança que o proveito ilegítimo não chegou a ser obtido, nem o prejuízo inerente se verificou." Os acusadores nem recorreram, tão categórico foi o Acórdão absolutório. Afinal, os "corruptos da UGT, nem corruptos souberam ser". Estivemos acusados de desviar dinheiro, que nem tínhamos recebido. Entretanto, formámos milhares de trabalhadores, com cursos de formação profissional de grande qualidade..A minha absolvição era a única herança que queria deixar aos meus 4 filhos: a honra do Pai deles..O "historiador" tentou separar o meu passado de sindicalista "estrela", com o "fracasso da minha vida política". Fui membro do Secretariado Nacional do PS, da sua CP e CN, durante longos anos. Fui "cabeça de lista" do PS em 3 eleições legislativas, fui deputado europeu durante dois mandatos, fui membro da Comissão de Estratégia e da Comissão Política das candidaturas presidenciais de Mário Soares, e da Comissão de Honra da candidatura presidencial de Jorge Sampaio. Fui fundador da Fundação José Fontana e, da Fundação Res Publica. Tive assento no conselho de administração da OIT/Nações Unidas. Serão muitos os políticos portugueses com um currículo igual ao meu? Mas para o douto "historiador", não passei de um falhado. Priorizou as minhas "pelosidades" e o meu cabelo. Algo de freudiano. Com o objetivo de me achincalhar..Mas a vida ensinou-me a temer mais o silêncio sobre mim, do que as injúrias feitas pelos meus detratores..Os meus sucessores na UGT, foram líderes sem carisma, e fracos, viviam obcecados em me ofuscar, para fazerem das fraquezas forças. Pusilânimes, não puseram um processo na Justiça contra o Estado exigindo os milhões devidos. A UGT endividou-se na banca, com taxas de juro de 25% ao ano (vinte e cinco por cento), para suportar os custos da formação que fez, e cujos pagamentos lhe foram surrupiados. A Justiça absolve a UGT, recusa o que o FSE, assistente no processo, pretendia e a UGT baixa os braços..Porquê? Ao não afrontar o Governo, que tipo de prebendas buscavam? Um lugar de ministro? Seria aceitável que uma central sindical financiasse as ações de formação profissional que o Governo não tinha condições de executar? Em nome de quê?.Porquê, após decisões dos tribunais favoráveis à UGT, pactuaram com o Governo PS, um esquema de devolução de dinheiro através de um financiamento pedido à CGD com o aval desse Governo? Onde é que tal coisa se viu? Onde ficou a independência da UGT face a um Governo que é seu avalista? Se a UGT não tinha razão, porquê o Governo se sentiu na obrigação de ser avalista da UGT? Uma central sindical com um aval de um Governo junto de uma instituição financeira para contrair uma dívida, cujo valor deveria reivindicar e litigar na Justiça, é algo de surreal..Na liderança da UGT assumi a estratégia de construir um modelo sindical democrático e independente, à semelhança dos sindicatos do norte da Europa, com base numa economia social, que funcionasse como prestadora de serviços aos trabalhadores e fonte de financiamento do projeto sindical. Tal estrutura seria baseada num banco sindical, reivindicado pela UGT aquando da privatização da banca publica. Cavaco Silva ofereceu-nos a Caixa Económica do Funchal, depois BANIF. Constituímos, para o efeito, uma comissão paritária, com um representante do Governo, o Dr. José Manuel Serrão e o Engº Carlos Melancia, em representação da UGT, para se preparar a sua entrega à UGT, que foi interrompida pela greve geral que convocámos com a CGTP..Esse foi sempre o sindicalismo que pratiquei, de diálogo e negociação, mas também de luta, com um modelo que passava por vários investimentos feitos em parceria com centrais sindicais nórdicas. Todos na lógica de prestar serviços aos trabalhadores e gerar receitas para os sindicatos..O meu sucessor, obcecado pela minha sombra, destruiu tudo o que tinha herdado. Deixou uma UGT "agónica". Ao liquidar os projetos herdados estavam cobertos pelo património adquirido, dado como garantia, a imagem de uma UGT afogada em dívidas é completamente falsa . Essa obsessão foi tão obscena, que num aniversário da UGT, mandou fazer um tempo de antena sobre a sua história, banindo o meu nome e a minha imagem. A minha liderança de 16 anos apagada. O mesmo que começar uma história de Portugal por D. Sancho I, ignorando D. Afonso Henriques..Quanto à minha saída do PS, o procurador nomeado para Haia veio a público desmentir a ministra da Justiça, que falseara a sua candidatura..Fui o único político e sindicalista português que sofreu um atentado à bomba. Porque terá sido? Depois da acusação deduzida contra a UGT, afastei-me pelo meu pé, voltando ao setor de seguros, como chairman da Companhia de Seguros Oceânica..Esta sim, é a minha verdadeira prova de vida. Ninguém, por mais insidioso e mal intencionado que seja, poderá reescrever a minha história, enquanto eu for vivo, sem merecer o meu mais veemente e profundo repúdio..A minha consciência tem, para mim, mais valor do que as opiniões dos meus detratores..Antigo secretário-geral da UGT e eurodeputado do PS eleito em 1989 e 1994