Um príncipe do Porto sem papas na língua

Era um homem do Norte, do Porto mais precisamente, e fazia gala nessa condição. "Somos senhores do nosso nariz", era assim que caracterizava as gentes de que fazia parte. E era mesmo senhor do seu nariz Miguel Veiga, advogado e um dos fundadores do PSD, que ontem morreu aos 80 anos, vítima de cancro, na cidade onde nasceu e onde foi decretado três dias de luto municipal.

Miguel Luís Kolback da Veiga era uma figura incontornável no PSD, partido que ajudou a criar com Francisco Sá Carneiro em 1974, porque era um homem sem papas na língua, que não escondia nem críticas nem elogios, sem simpatias ou antipatias políticas, mesmo entre os seus pares. Apesar de ser uma figura muito respeitada entre os sociais-democratas, chegou a ser ameaçado de expulsão do PSD, mas nunca ninguém se atreveu a dar o passo para a rutura.

Um dos momentos de confronto com o seu partido foi nas presidenciais de 1986, quando resolveu apoiar aquela que foi a primeira candidatura presidencial de Mário Soares a Belém, tendo sido seu mandatário distrital. Mas em 2006, quando Soares se recandidatou ao cargo, Miguel Veiga esteve ao lado de Cavaco Silva, apesar de anos antes ter sido anticavaquista.

Em 2004, foi um dos dois membros do Conselho Nacional do PSD que se abstiveram na passagem de testemunho da liderança do partido e do governo de Durão Barroso para Pedro Santana Lopes. Foi duro com Pedro Passos Coelho, em particular durante a "crise do irrevogável" de Paulo Portas, em 2013. Miguel Veiga exigiu então a cabeça do líder do PSD por considerar que estaria fragilizado e manifestou-se contra a substituição na pasta das Finanças de Vítor Gaspar para Maria Luís Albuquerque.

O PSD nacional e as estruturas do partido do Porto quiseram assinalar ontem a importância da perda do advogado portuense, que também foi deputado.

Miguel Veiga, segundo o partido, "ficará com o nome inscrito a ouro nas páginas da história do PSD e da cidade do Porto, da qual era um dos seus mais amados príncipes", prestando homenagem à memória do fundador, "a quem agradece o muito que lhe deve".

"Advogado insigne, o seu nome é sobretudo indissociável das inúmeras causas de cidadania pelas quais sempre se bateu ao longo de toda a sua vida, distinguindo-se pela maneira de ser frontal, livre e independente e pela imensa elevação que sempre imprimiu à sua vida pública", segundo o partido.

"Hoje, o PSD perdeu um dos seus melhores quadros, um político de referência e livre pensador da causa pública e política", lamenta a distrital do PSD-Porto. Mas foi Rui Rio, de quem Miguel Veiga foi mandatário nas três eleições que o levaram à presidência da Câmara do Porto, quem destacou os traços de caráter do "amigo": "Tinha um pensamento muito estruturado e uma enorme fidelidade aos seus próprios valores. Era a antítese do oportunismo e da hipocrisia. Para mim, é insubstituível." Passos Coelho, que não poderá estar hoje presente no funeral no Porto, deslocou-se ontem à noite ao Palacete dos Viscondes de Balsemão para prestar a última homenagem à figura histórica do partido. O Presidente da República e companheiro de partido, Marcelo Rebelo de Sousa, também marcou presença no velório.

Distinguido em 2015 pelo atual presidente da Câmara do Porto com a Medalha de Honra da Cidade, a mais alta distinção municipal, Miguel Veiga foi também um dos apoiantes de primeira hora da candidatura de Rui Moreira, que se candidatou como independente e sem o apoio do PSD.

O presidente da Assembleia da República, o socialista Ferro Rodrigues, destacou os "valores republicanos e democráticos que defendia com desassombro no espaço público".

Miguel Veiga licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, em 1959, foi vice-presidente do partido e deputado da Assembleia Constituinte, não tendo nunca aceitado ser ministro. Hoje era presidente da Comissão de Toponímia do Porto.