Um pau de dois bicos e um bico-de-obra

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Pedro Passo Coelho perde a coerência ao mandar o PSD votar contra a descida da TSU para compensar a subida do salário mínimo? Perde. E perde porque a defendeu, a viabilizou e ainda mais porque pôs o país na rua contra uma redução substantiva que o seu governo queria fazer para os patrões em 2012.

Pedro Passos Coelho ganha coerência porque avisou desde o início que no dia em que os partidos que apoiam o governo tirassem o tapete a António Costa, numa qualquer medida - e esta até é importante porque sustenta o aumento do salário mínimo -, não seria o PSD a amortecer a queda. No debate quinzenal de terça-feira, foi claro e duro, fez oposição, mesmo que com isso tenha hipotecado parte da coerência.

No debate lembrou que o governo soube "atempadamente que não teria nos partidos mais à esquerda voto para honrar o compromisso" e fez apelo à polémica frase do ministro mais político do governo, Augusto Santos Silva, sobre os parceiros sociais: "Aquilo é uma espécie de feira de gado. E depois o PSD que resolva o problema. Não será assim."

Perante um pau com dois bicos, Passos optou pelo que expõe o facto de o governo ter feito um acordo de concertação social que sabia à partida que só podia cumprir com o apoio do PSD, mas o qual não consultou. Os sociais-democratas, calculou o executivo, também estariam na "feira de gado" e sem alternativa senão seguir os dictates da concertação social.

O bico-de-obra é que esta posição de Passos de votar ao lado do PCP e do BE contra a redução da TSU tem mesmo custos para o PSD. Mais do que para a concertação social e para os patrões, que esses nunca se perdem e até já anteciparam um plano B para o chumbo da medida: querem alterações aos pagamentos por conta e redução nos custos de energia.

A voz mais forte no PSD contra a posição de Passos é agora a do ex--presidente do Conselho Económico e Social. Em carta aberta no DN, Silva Peneda é mortífero: "Fere gravemente a identidade do PSD." Belém também deixa o líder do PSD mais isolado, quando Marcelo vem defender que a medida ajuda a economia e as instituições particulares de solidariedade social (IPSS), duas das mais importantes bandeiras sociais-democratas.

As críticas, os apelos internos e externos ao PSD, o desgaste que o governo vai tentar provocar não irão demover o líder social-democrata. Passos, que era acusado de fazer pouca oposição ao governo, encontrou nesta primeira grande brecha à esquerda o espaço para voltar a posicionar-se como alternativa de poder.

Mas como a concertação social é um importante património do PSD, como bem lembra Silva Peneda, Passos terá de explicar muito bem na hora de mandar o acordo do governo às urtigas qual é o "interesse nacional", que também tanto defende, de tudo isto. Proteger a Segurança Social talvez seja o único argumento.

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