Um passo atrás para dar um passo em frente

O quarto álbum dos Beatles foi o segundo que editaram em 1964 e já sob os efeitos globais da 'beatlemania'. Sem tempo para compor, voltaram a gravar algumas versões. Mas um encontro com Bob Dylan abriu novos horizontes ao grupo.
Publicado a
Atualizado a

Título: "Beatles For Sale"

Data de edição: 4 de dezembro de 1964

Editora: Parlophone

Produtor: George Martin

Pode parecer um ligeiro passo atrás, mas na verdade o que ouvimos em Beatles For Sale não é senão um ligeiro passo em frente. Passo atrás porque, depois de um álbum integralmente feito de originais da banda, o seu quarto álbum - e o segundo que editaram em 1964 - regressa a um espaço de partilha entre temas de sua autoria e versões. Oito originais e seis versões, para fazer as contas certas... Mas ao mesmo tempo, e escutando I'm A Loser, reparamos na abertura de horizontes a uma escrita mais pessoal, menos festiva, que resultou como uma das primeiras consequências do dia em que John Lennon conheceu Bob Dylan, em Nova Iorque, em agosto de 1964. Mais evidentes mudanças chegariam pouco depois...

A coexistência de originais e versões no alinhamento de Beatles For Sale tem uma explicação simples. O álbum surgiu 21 semanas depois de A Hard Day"s Night, em pleno clima de "beatlemania" já com expressão global. Nesse período deram 26 concertos nos EUA e atuaram em 27 salas no Reino Unido, ainda mais outras datas na Europa continental e no Extremo Oriente. a agenda preenchida de solicitações quase não lhes deixando tempo para compor novas canções. Por isso, quando o Natal se começou a aproximar e, com ele, a data de lançamento de um novo álbum, repetiram uma lógica semelhante à que lhes dera o alinhamento do álbum de estreia. E, além dos originais que entretanto haviam composto, juntaram as versões dos temas que faziam (ou tinham já feito) parte dos alinhamentos dos seus concertos.

Algumas das novas canções nasceram no período em que decorreram as sessões de trabalho, que se prolongaram, com intervalos, entre agosto e meados de outubro de 1964. Este foi o segundo álbum que criaram usando gravadores de quatro pistas, o processo de criação da forma final das canções tendo traduzido sinais mais de busca de arranjos mais elaborados, muitas vezes resultado das possibilidades geradas pela nova tecnologia ao seu dispor, nomeadamente o overdubbing (a possibilidade de gravar sobre o que já estava registado antes, como que acrescentando novas camadas de som à canção). O álbum não gerou singles no Reino Unido, mas deu aos Beatles mais uma mão-cheia de clássicos, entre os quais Eight Days A Week (que nos EUA lhes deu mais um número um) e o trio de abertura do lado A, onde ouvimos No Reply, I'm A Loser e Baby's In Black. Graham Parsons sublinhou a presença de eventuais influências country em canções como I'm A Loser ou I Don't Want The Spoil The Party, o que vinca a presença da recente vivência americana da banda ao longo de 1964. Entre as versões encontrávamos o lirismo rock'n'roll de Words of Love de Buddy Holly (original de 1957), o clássico de Chuck Berry Rock'n'Roll Music (também de 1957), Mr. Moonlight de Roy Lee Johnson (lançado nesse mesmo 1964) ou duas canções de Carl Perkins: Honey Don't (1956) e Every's Trying To Be My Baby (1957).

O fardo da fama, somando os efeitos de quase dois anos de grande exposição mediática à escala global, começava entretanto a deixar marcas entre os quatro músicos sendo este disco um primeiro retrato desse clima. E se olharmos para a fotografia usada na capa, tirada por Robert Freeman numa manhã desse outono em Hyde Park mostra expressões bem distintas dos rostos sorridentes de alguns dos seus discos anteriores.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt