Um homem não é uma ilha, proclamava o poeta John Donne. Aqui, pelo Atlântico, uma visão de cinema que se recusa a ser uma ilha em si mesma. A espanhola Amaya Sumpsivai por um caminho documental mais perto de um universo continental. É o maior elogio que se pode fazer a um filme aberto a várias possibilidades. Uma obra em gestão de movimento, quase ao sabor do mar - na verdade, nas noves ilhas dos Açores apenas há um toque-e-foge. Interessa antes o caminho, o percurso entre elas. Esse é o pano de fundo de um projeto que nos seus setenta e cinco minutos parece estar sempre a ganhar ganhar corpo, mas é nesse aspeto pouco polido de tom e ritmo que Entre Ilhas resulta melhor..Narrado por Carlos Medeiros e pela própria cineasta, este é um convite a um caminho marítimo entre as ilhas açoreanas. Uma passagem através de rostos, memórias e açoreanos que são tripulantes de uma realidade onde o peso do oceano condiciona um arquipélago ligado por um desígnio especial. Especial ou mágico, talvez a receita da descrição do que é ser açoreano. O ponto de partida são os barcos que ligam as ilhas mas também as histórias (muitas delas registadas em cartas de famílias) que decorrem dessas travessias, entre a tormenta e a simples recriação turística. O Express Santorini, antigo navio de luxo das ilhas gregas, funciona como mote para investigação sobre essas viagens..Nas histórias do mar e nos diários de viagens ficamos também com relatos de recordações da emigração ou do trabalho dos caixeiros viajantes. Entre ilhas periféricas, centrais, cosmopolitas e isoladas, reflete-se sobre essa condição de distância. Ou um povo cujo mar foi sempre tão aliado como inimigo. Maya Sumpsi percebe essas cumplicidades e capta distintamente essa alma açoreana. Filma com tempo e sentido de síntese esse imaginário de marinheiros e habitantes, sabendo incorporar com bom senso imagens de arquivo e sons do mar. Entre Ilhas só não vai tão longe quando não abdica de algumas entrevistas com a fórmula das "cabeças falantes". "Talking heads" que parecem fazer antes parte de um objeto de pendor mais televisivo. O deslumbramento cinematográfico surge sempre quando a câmara caça momentos não previstos, quando quer ir além do meramente descritivo ou ilustrativo. E afetivamente há uma ligação forte com o que se conta, em especial com o contraste com esta modernidade dos ferries. Os Açores de ontem, os Açores de hoje..Para além desse labor pelos detalhes perante o que é mais vasto, o trabalho de investigação parece particularmente sólido, daqueles casos que se nota verdadeiramente um processo de exploração e reflexão com os factos históricos. Sumsi integra notavelmente a textura de fotografias antigas, muitas vezes com bom gosto formal e a lembrar um velho álbum de família..Para quem tem uma relação nostálgica com as nossas ilhas, eis um filme capaz de nos transportar para uma terra sem igual num périplo onde o mar é um protagonista infindável. E é bom saber que o anterior governo regional dos Açores soube estar atento e apoiar este olhar "estrangeiro" numa produção inteiramente portuguesa..dnot@dn.pt