Um festim para os ouvidos. Pet Sounds para colecionadores
É uma coincidência feliz: no dia em que milhares puderam ou-ver a história a acontecer no palco do Parque da Cidade no Porto, com Brian Wilson a apresentar Pet Sounds nos seus 50 anos, chegou ao mercado português um conjunto de edições deste álbum dos Beach Boys que antecipa um verdadeiro festim para os melómanos.
Os embrulhos aqui são (quase) tão importantes como o conteúdo: este Pet Sounds já aí está numa edição de colecionador com 4 CD e Blue-ray áudio, acompanhada de um livro de capa dura, com o álbum original remasterizado em estéreo e em mono (e, agora para entendedores, de um só fôlego), mais misturas em estéreo de alta resolução, em mono, versão instrumental e som 5.1 surround, versões saídas das sessões de gravação, misturas alternativas e gravações ao vivo até agora nunca editadas.
Para quem não puder sonhar tão alto, há uma edição mais modesta, também apresentada como deluxe, com dois discos compacto a revelar o álbum nos mesmos termos da caixa (mono e estéreo), somando alguns dos destaques da edição de colecionador.
Este festim nasce de um álbum difícil, numa miscelânea de camadas de pop, com orquestrações e coros, vozes e instrumentos, mil e uma polifonias que a banda que Wilson trouxe ao Porto replicou com uma generosidade que o álbum trespassa em cada espira - e sim, no lote de edições também está o vinil de 180 gramas, em mono e estéreo, retomando com fidelidade o artwork do álbum original.
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Brian procurou a perfeição, encontrou-a, num trabalho sem mácula de ourives. Ouça-se I"m Waiting For The Day na versão mono, como se recuássemos a 1966, e depois salte-se para a canção em estéreo: nas duas versões, estão lá todas as subtilezas das teclas, da voz de Brian e coros, a grandiosidade às camadas da bateria sincopada nas vozes secundárias e na flauta que se intromete. Uma e outra, à sua maneira, nunca perdem a graciosidade da composição de Wilson, mas - e por isso a edição de colecionador é o festim que deixa a nu todas estas nuances - a versão estereofónica do álbum parece soar indelevelmente ainda mais feliz. É música de verão esta, que canta amores e pele.
A caução do beatle
Saltemos mais dois temas e ouça-se o ícone perfeito deste perfeito álbum icónico: God Only Knows, e só os deuses sabem como nestes 2 minutos e 56 segundos cabem toda a perfeição do mundo. A voz é juvenil, límpida, cristalina, nos seus agudos, longe daquela garganta que fraquejava no palco do Parque da Cidade.
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Mesmo que, no Porto, Wilson tenha apresentado aquela obra prima que é God Only Knows dizendo que "é uma canção de que Paul McCartney gosta muito" - como se o beach boy precisasse da caução do beatle.
Este álbum é "um manifesto artístico com muito amor no interior", explicou-se Brian Wilson em 2006. Agora que este Pet Sounds se apresenta na edição luxuriante com 50-cinquenta-50 canções (que também já podem ser escutadas em serviços de streaming), uma por cada ano, é possível descobrir como o amor exulta a cada som e a cada palavra. Afinal, não podemos só prestar atenção ao que se toca. Também o que se canta é de primeira água, aos amores e aos desamores. "Ouçam com atenção estas palavras, ouçam, vão adorar, vão adorar", entusiasmou-se Brian Wilson para o público do Primavera Sound, no Porto, antes de I just wasn"t made for these times.
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Engano puro: Wilson é feito para estes tempos, como se provou no encontro com a história de quem foi ao Porto, mesmo na fragilidade dos seus 73 anos, de um homem que teve de sair amparado do palco do Parque da Cidade. A vida de Brian, tal como ela foi não perdoa, mas agora temos estas edições (provavelmente definitivas) para melhor contar e a cantar. A lenda vai continuar ao pé de nós.
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