Preocupado com o neto, Calouste Sarkis Gulbenkian toma as rédeas da sua educação. Estamos em 1942: o milionário vive no Hotel Aviz, em Lisboa, a filha, Rita, e o genro, Kevork, ficaram em Paris e Mikael estuda no colégio Harrow, em Londres. Trocam ampla correspondência. O avô escreve em francês, comenta a evolução da escrita do rapaz, 15 anos à época, e oferece conselhos. "Boa vontade e sentido de propriedade", "ser humilde", "não fazer os outros sentirem-se menores", "falar com franqueza mas com sinceridade e empatia", "fazer o culto do bom e do belo", ser fiel à tradição dos antepassados" são alguns..São cerca de 200 cartas, pertencem ao arquivo do fundador e uma parte, 65, foram escolhidas para fazer parte de um livro, ainda sem título (o nome de trabalho é A Educação do Delfim), que reúne parte desta correspondência trocada entre 1942 e 1955 (o ano da sua morte), que dá a conhecer um lado familiar e que será publicado em 2019, ano em que se assinalam os 150 anos do nascimento do arménio Calouste Sarkis Gulbenkian. Não é o único..No dia 3 de janeiro chega às livrarias O Homem mais Rico do Mundo - As Muitas Vidas de Calouste Gulbenkian, a biografia de 460 páginas que Jonathan Conlin prepara desde 2013..Conlin, investigador da Universidade de Southampton, cruzou-se com a história do "senhor cinco por cento" pela primeira vez quando preparava uma obra sobre a história da National Gallery, em Londres. Com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, mergulhou nos cerca de 300 metros lineares de documentação privada do milionário - dos negócios às cartas de amor trocadas com a mulher, Nevarte, uma socialite cujo papel foi fundamental para o diplomático Calouste Gulbenkian..A empreitada levou-o por locais emblemáticos da biografia do arménio - do famoso palacete parisiense da Avenue d"léna, primeiro poiso da coleção de arte que foi reunindo ao longo da vida, até Talas, na Arménia, passando por Teerão, Washington ou São Petersburgo, territórios importantes na biografia do homem que, por disposição testamentária, deixou a fortuna para a criação da fundação com o seu nome.."Muitos sabem quem é o senhor cinco por cento, um negociador implacável, uma pessoa fria e calculista, mas pouca gente tem acesso às fontes primárias que espelham um outro Calouste", diz o diretor da biblioteca e do arquivo da fundação. Mais de quatro mil metros de documentação, do arquivo do fundador à atividade da instituição. "Fundamental para perceber este país a partir de 1956", diz João Vieira.."Um homem pragmático, capaz de mudar de opinião", completa João Vieira ao DN, que coordena o livro que reúne a correspondência selecionada que o milionário e filantropo trocou com Mikael. Nota, por exemplo, que ele insiste que se correspondam em francês, mas acaba por aceitar que o jovem lhe responda em inglês. E que também cede aos desejos do diretor do colégio quando este defende um currículo escolar virado para os clássicos..O arménio tinha aprofundado estudos em ciências na King"s College e empreende uma viagem até Baku, via Transcaucásia, para conhecer novas formas de explorar petróleo em 1888. Defendia uma formação idêntica para o neto, seu eventual sucessor, até por oposição com o que se tinha passado com o filho, Nubar, com quem manteve uma relação conflituosa que "o marcou muito", segundo João Vieira. Com o neto, "baixa as guardas e mostra-se vulnerável"..A publicação destas cartas pessoais foi coordenada com Martin Essayan, bisneto do fundador e administrador da fundação, e é um dos eventos que marcam os 150 anos do nascimento de Gulbenkian - duas exposições e uma conferência sobre filantropia.