Longe vão os tempos em que o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, dizia que não poderia dormir caso a aliança Unidas Podemos, de Pablo Iglesias, tivesse lugar no Conselho de Ministros. Um ano depois de o socialista ser oficialmente investido chefe do governo no Congresso, ganhando com uma vantagem de apenas dois votos e o apoio de pequenos partidos nacionalistas, a coligação resiste e diz já ter cumprido quase 25% do programa de governo. Pelo meio, e em plena pandemia, algumas vitórias, como a aprovação do orçamento para 2021 (o primeiro em quatro anos), uma nova lei da educação e até a legalização da eutanásia, mas também tensões entre os dois sócios..O primeiro acordo de coligação desde o regresso à democracia em Espanha foi assinado dois dias depois das eleições de 10 de novembro de 2019, com Sánchez e Iglesias a parecer desejosos de deixar para trás os meses de negociações infrutíferas que se tinham seguido às eleições de 28 de abril. E tornou-se oficial depois da investidura, a 7 de janeiro de 2020. O socialista, que tinha chegado ao poder a 1 de junho de 2018 após uma moção de censura contra Mariano Rajoy, não queria na altura Iglesias a dividir o protagonismo no governo. Acabou por aceitá-lo como vice-primeiro-ministro e titular da pasta dos Direitos Sociais e da Agenda 2030..A coabitação não tem sido perfeita - houve choques em temas como a monarquia (no ano em que o rei emérito Juan Carlos deixou Espanha envolto em escândalos de corrupção), o aumento do salário mínimo ou a proibição dos despejos -, mas têm-se evitado grandes crises. Por vezes, contudo, é visível o mal-estar entre os diferentes ministros, como o choque entre a vice-primeira-ministra para a área económica, Nadia Calviño, e a ministra do Trabalho, Yolanda Díaz, do Partido Comunista Espanhol (Esquerda Unida). A reforma da lei laboral, assim como do sistema público de pensões, ou o aumento do salário mínimo serão os próximos pontos de embate..Calviño acusou a Unidas Podemos de "procurar visibilidade" (com a tentativa de colar a proibição dos despejos ao orçamento para 2021) e os analistas dizem que Iglesias se apresenta sempre como o responsável por garantir que a política do governo é de esquerda, falando nas tendências liberais dos socialistas. Ainda estaria a decorrer a conferência de imprensa posterior ao Conselho de Ministros de dia 22 de dezembro, por exemplo, quando Iglesias publicou no Twitter um vídeo a congratular-se com a aprovação da suspensão dos despejos (que tinha aceitado separar do orçamento)..Independentemente dos choques, Sánchez garantiu, na última comparência diante dos jornalistas antes do Ano Novo, que a coligação que já cumpriu 23,4% do programa (e espera chegar aos 32,6% nos próximos seis meses) está para durar. E o porta-voz da Unidas Podemos no Congresso, Pablo Echenique, deixou um aviso à oposição: o que o governo fez neste ano é apenas um "aperitivo" do que está para vir..Mas, na última sondagem do Centro de Investigações Sociológicas, divulgada a 21 de dezembro, tanto o PSOE como a Unidas Podemos começam a perder terreno (juntos teriam 40,3%), menos do que a soma de Partido Popular, Ciudadanos e Vox (43,7%). Nesta sondagem, os socialistas surgem ainda com dez pontos de vantagem em relação ao PP de Pablo Casado, mas na maioria das consultas de opinião a diferença entre ambos é inferior a cinco pontos.."O ano de 2020 foi o ano de uma grande calamidade e de uma grande resistência. Mas 2021 pode ser, deve ser, o ano de uma grande recuperação, e para isso precisamos de uma grande confiança", disse Sánchez antes da despedida de 2020. A pandemia de coronavírus, que já causou mais de 51 mil mortos entre os mais de dois milhões de casos confirmados, obrigou o governo a decretar, pela segunda vez na história de Espanha, o estado de alarme em março, sendo certo que em outubro foi necessário voltar a fazê-lo, e irá manter-se pelo menos até maio deste ano.