UE-África: Governo recusa ser único culpado

As ONG, o Parlamento e os media também enfrentam acusações.
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À porta da sala número um da Fundação Gulbenkian, em Lisboa, um cartaz da plataforma Eu Acuso, com um despertador desenhado diz : "Os muros entre Europa e África são cada vez mais altos. Vamos despertar os responsáveis para mudar a situação".


E quem são os responsáveis? Foi isso que durante todo o dia de ontem o tribunal da consciência, num julgamento que apesar de simbólico contou com juiz, jurados, reús e advogados, tentou destrinçar.


O Governo, enquanto promotor da cimeira UE-África, que decorreu há um ano em Lisboa, esteve na linha da frente das acusações, por compromissos não cumpridos. "A gestão das migrações não tem levado em conta as obrigações de protecção de refugiados", disse o advogado de acusação, para as migrações, uma das seis pessoas vestidas de toga. E acrescentou que se Portugal aplicar a controversa directiva de retorno "estará a violar os direitos humanos" - já que esta permite a detenção e deportação de imigrantes ilegais.


"O Estado português limita-se a encapotar investimentos com ajuda ao desenvolvimento. O orçamento do Estado, para 2009, tem menos 20 milhões de euros do que o previsto para o programa de cooperação", afirmou a advogada de acusação para a cooperação e desenvolvimento, enquanto a sua colega sublinha o incumprimento dos Objectivos do Milénio por parte do Estado português. "Em 2007 a ajuda ao desenvolvimento foi de 0,22% do RNB contra os 0,33% que tinham sido prometidos".


Após o apontar do dedo, ao Governo, mas também ao Parlamento, à sociedade civil e aos media, foi a vez de o juiz Eurico Reis, presidente do tribunal com seis jurados, passar a palavra aos reús presentes e aos advogados oficiosos dos ausentes. No que toca ao Governo, foi o director-geral do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Jarmela Palos, a fazer a defesa pelo lado das migrações.


"Existe uma abordagem global e Portugal tem desenvolvido uma política de imigração que tenta responder a desafios e oportunidades", garantiu o responsável, que apesar de estar num julgamento simbólico levou assessores.


Jarmela Palos negou que haja violação dos direitos humanos e dos migrantes, legais, ilegais ou refugiados, lembrando que este é um processo "de diálogo entre europeus e africanos e quando fazemos acusações é preciso ter em mente as duas partes". No que toca ao resto do Governo, a defesa ficou a cargo de um advogado oficioso que, entre outros, usou o argumento da crise financeira para justificar que existam actualmente outras preocupações. "Estamos aqui porque Portugal organizou esta cimeira. Além disso o perdão da dívida e o incentivo ao investimento em países africanos deve ser visto como positivo. Agora não pode ser um Estado a ser culpado pelo nível de desenvolvimento [de África]. As responsabilidades têm que ser partilhadas", disse.


Fátima Proença, da plataforma de ONG para o desenvolvimento, presente pela sociedade civil, admitiu a sua parte nesta responsabilidade. Mas as advogadas que representaram o Parlamento e os Media não. "Talvez falte aqui a União Europeia", sugeriu o juiz Eurico Reis. "E as empresas", acrescentou a jurada Maria Belo. "E a própria África", disse o jurado David Borges, pois "se neste tango a Europa dança mal, África não dança melhor", lembrou.


A falta de outros réus marcou este julgamento, que foi aproveitado pelo ucraniano Mykhaylo Dmytriv para expor o seu caso real. É imigrante, teve um acidente de trabalho, mas não lhe deram a pensão de invalidez merecida. Foi protestar para a porta da procuradoria-geral da República e foi preso. Actualmente aguarda veredicto, verdadeiro. O do julgamento simbólico será conhecido hoje, às 13.00, na Fundação Mário Soares.

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