Atarde vai tristonha, lenta e cinzenta, da janela do gabinete espreito o Douro a querer ser mar e apetece-me fugir para longe das frequências por corrigir e dos sumários por lançar. Ao contrário do que dizia T.S. Eliot, é dezembro, e não Abril, o mês mais cruel. Toca o telemóvel e vejo no ecrã o rosto sereno e sorridente do Joel Neto. Parece que adivinha, o sacana do açoriano. - Meu querido amigo, como estás? Tinha saudades tuas e apeteceu-me fazer uma coisa antiga, que é ligar para desejar um bom Natal... A delicadeza do Joel apanha-me sempre desprevenido, é o último cultor de um certo tipo de bondade. Respondo com frases incertas, mais ou menos isto, os livros assim, a vida assado... Tudo vai andando... E sei que não o convenço, que as pausas trémulas denunciam mais do que posso ou quero revelar. Ele aceita o jogo e falamos do fim dos jornais e da literatura, da pulsão inútil e romântica que nos obriga a afundar com o navio. Se pudermos, iremos a cantar. Falamos ainda da Catarina e do Sandro, moravam ali nos Anjos, e agora, onde estão? O tom de voz altera-se e imagino-o a falar com o vento, numa versão ilhoa do Eclesiastes. - Caramba, meu caro, tudo termina e tudo teima em mudar... E eu daqui e ele tão lá olhamos para as mesmas ondas e partilhamos o silêncio como se fosse um cigarro. Assim é, meu querido amigo, bom Natal para ti e bom ano novo, iremos a cantar..Escritor, diariamente online
Atarde vai tristonha, lenta e cinzenta, da janela do gabinete espreito o Douro a querer ser mar e apetece-me fugir para longe das frequências por corrigir e dos sumários por lançar. Ao contrário do que dizia T.S. Eliot, é dezembro, e não Abril, o mês mais cruel. Toca o telemóvel e vejo no ecrã o rosto sereno e sorridente do Joel Neto. Parece que adivinha, o sacana do açoriano. - Meu querido amigo, como estás? Tinha saudades tuas e apeteceu-me fazer uma coisa antiga, que é ligar para desejar um bom Natal... A delicadeza do Joel apanha-me sempre desprevenido, é o último cultor de um certo tipo de bondade. Respondo com frases incertas, mais ou menos isto, os livros assim, a vida assado... Tudo vai andando... E sei que não o convenço, que as pausas trémulas denunciam mais do que posso ou quero revelar. Ele aceita o jogo e falamos do fim dos jornais e da literatura, da pulsão inútil e romântica que nos obriga a afundar com o navio. Se pudermos, iremos a cantar. Falamos ainda da Catarina e do Sandro, moravam ali nos Anjos, e agora, onde estão? O tom de voz altera-se e imagino-o a falar com o vento, numa versão ilhoa do Eclesiastes. - Caramba, meu caro, tudo termina e tudo teima em mudar... E eu daqui e ele tão lá olhamos para as mesmas ondas e partilhamos o silêncio como se fosse um cigarro. Assim é, meu querido amigo, bom Natal para ti e bom ano novo, iremos a cantar..Escritor, diariamente online