Trump rompe com mais um acordo de controlo de armamento

Tratado de Céus Abertos permite aos signatários fazerem voos de observação recíprocos, mas EUA acusam Rússia de não cumprir a sua parte.
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O presidente norte-americano anunciou que vai retirar o seu país do pacto de defesa em vigor há 18 anos com a Rússia e outros 32 países europeus porque "a Rússia não aderiu ao tratado". Se não voltar atrás na decisão -- já deixou no ar essa hipótese -- os EUA saem do tratado dentro de seis meses.

É a terceira vez que Donald Trump renuncia a um importante tratado de controlo do armamento. Há dois anos, Trump abandonou o acordo nuclear iraniano assinado por Barack Obama. No ano passado, deixou o Tratado das Forças Nucleares Intermédias, dizendo mais uma vez que não participaria num tratado que, segundo ele, a Rússia estava a violar.

"A Rússia não aderiu ao tratado. Por isso, até que adiram, vamos retirar-nos, mas há uma boa hipótese de fazermos um novo acordo ou de fazermos alguma coisa para reatar esse acordo", disse Trump na Casa Branca.

"Por isso, penso que o que vai acontecer é que vamos sair e eles vão voltar e querem fazer um acordo. Acho que algo muito positivo vai nascer", concluiu.

"É de loucos", reagiu o antigo diretor das agências norte-americanas CIA e NSA, o general Michael Hayden.

O motivo agora alegado pela administração Trump é o de que os Estados Unidos estão frustrados por a Rússia não autorizar os voos dos EUA sobre zonas onde Washington acredita que Moscovo está a utilizar armas nucleares que ameaçam a Europa, além de outros territórios que foram anexados por Moscovo.

As explicações de Pompeo

"A Rússia recusou o acesso a voos de observação num corredor de 10 quilómetros ao longo da sua fronteira com as regiões georgianas ocupadas pela Rússia na Abecásia e na Ossétia do Sul, tentando assim fazer avançar as falsas alegações russas de que estes territórios ocupados são Estados independentes", acusa o secretário de Estado Mike Pompeo.

"A designação pela Rússia de um aeródromo de reabastecimento na Crimeia, Ucrânia, como pertencendo aos Céus Abertos constitui igualmente uma tentativa de fazer avançar a sua pretensão de suposta anexação da península, que os Estados Unidos não aceitam e nunca aceitarão", continua, em comunicado.

"A Rússia também impôs ilegalmente uma restrição à distância de voo sobre Kalininegrado, apesar de este enclave se ter tornado no local de um importante arsenal militar que as autoridades russas sugeriram incluir mísseis de curto alcance com ogivas nucleares que visam a NATO", apontou ainda Pompeo, que dá ainda como exemplo da falta de cooperação de Moscovo ter impedido um voo de observação da aviação dos Estados Unidos e do Canadá sobre um exercício militar russo.

A decisão de Trump, que já tinha vindo a ser debatida há meses, poderá agravar a relação com os aliados europeus.

Segundo o New York Times, o tratado poderá continuar em vigor, mas é de esperar que a Rússia "irá quase certamente responder", deixando de autorizar os voos da aviação europeia no seu território, e que os aliados utilizam para monitorizar os movimentos de tropas junto das fronteiras, em especial nos países bálticos.

Golpe para a segurança europeia, diz Moscovo

A saída de Washington do tratado será um golpe para a segurança europeia, reagiu o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo. "A retirada dos EUA deste tratado seria não só um golpe para a fundação da segurança europeia... mas para os principais interesses de segurança dos aliados dos EUA", disse Alexander Grushko, citado pela agência noticiosa RIA-Novosti.

Grushko, que supervisiona as relações com a NATO e a União Europeia, disse que Trump estava a tentar justificar a saída de um "tratado fundamental" através de "questões técnicas" que deveriam ser resolvidas no âmbito do tratado. "Nada impede a continuação das discussões sobre as questões técnicas que os EUA estão a deturpar como violações por parte da Rússia", afirmou.

O tratado permite que os militares de um país efetuem um determinado número de voos de vigilância sobre outro todos os anos, com pouca antecedência. Os aviões podem inspecionar o território abaixo indicado, recolhendo informações e imagens de instalações e atividades militares. O objetivo é que quanto mais os militares rivais souberem uns sobre os outros, menor será a possibilidade de conflito.

O Tratado dos Céus Abertos foi negociado pelo presidente George Bush e pelo seu secretário de Estado, James Baker, em 1992, após o colapso da União Soviética. Foi o retomar de uma ideia apresentada pelo presidente Dwight Eisenhower em 1955, tendo sido rejeitada pelo líder soviético Nikita Khrushchev.

A decisão de Trump de sair do Tratado de Céus Abertos dá pistas sobre o que irá fazer sobre o tratado novo START, que expira no início do próximo ano. É o único acordo que restringe os arsenais nucleares dos EUA e da Rússia, ao impor limites ao número de ogivas e lança-mísseis nucleares de longo alcance. Moscovo ofereceu-se para prorrogar o tratado, mas Trump já fez saber que prefere um novo acordo que inclua a China.

Entretanto, a NATO reúne-se sexta-feira de emergência após anúncio de retirada dos EUA do Tratado de Céus Abertos.

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