Trump promete mensagem positiva no discurso do Estado da União

É depois de Bill Clinton o segundo presidente a discursar com o julgamento de <em>impeachment</em> a decorrer. Assessores dizem que presidente deve centrar-se na força da economia.
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Quando Bill Clinton se dirigiu aos congressistas, no dia 19 de janeiro de 1999, para proferir o discurso anual sobre o Estado da União, o democrata encontrava-se na incómoda posição de ter sido destituído naquele mesmo local pelos representantes por ter mentido sob juramento e por obstrução à justiça.

O seu discurso de 78 minutos omitiu por completo o caso que abalava a sociedade norte-americana. Na véspera, os advogados da Casa Branca começaram a defesa do presidente no julgamento que decorreu na câmara alta, o Senado, tendo defendido a sua inocência. O discurso de Clinton foi recebido com aplausos, embora alguns republicanos tenham decidido boicotar o discurso, tendo alegado que era impróprio Clinton comparecer perante o Congresso durante o seu julgamento.

À época, o escândalo sexual do presidente foi insuficiente para o derrubar. Uma economia a crescer de vento em popa (no terceiro ano consecutivo a mais de 4%) e um superavit nas contas públicas que lhe permitiam anunciar um conjunto de propostas em áreas como a segurança social e a saúde. Foram tantas as propostas que o representante democrata Joseph Moakley comentou: "Fez tudo menos comprar um vestido novo para a Estátua da Liberdade", recorda a ABC.

Vinte e um anos depois, outros protagonistas para um guião semelhante. Donald Trump está do outro lado da barricada política, mas o empresário republicano também foi destituído pela Câmara dos Representantes por obstrução à justiça e abuso de poder.

A economia também é uma mais-valia de que Trump se pode fazer valer. A relação direta do crescimento económico com a sua administração não é líquida - em especial os cortes nos impostos sobre as empresas ou a guerra comercial com a China -, mas o facto é que os números do desemprego são historicamente baixos e a economia continua em crescimento, embora em abrandamento: os números do PIB relativos a 2019 representam um crescimento de 2,3% em relação ao ano anterior, tendo ficado 0,7% abaixo da meta.

Se Donald Trump irá elogiar os acordos comerciais firmados com Canadá e México e o acordo preliminar com a China, decerto não irá falar sobre o aumento do défice para um valor superior a um bilião de dólares - valores só atingidos durante a crise financeira de 2008. Também não é de esperar que fale sobre o crescimento da dívida. Enquanto candidato prometeu acabar com a dívida, mas esta continua a crescer e está acima dos 22 biliões de dólares.

Outros números marcam uma clara distinção entre o marido da candidata vencedora do voto popular das presidenciais de 2016 e o empresário e estrela de televisão: à época, William J. Clinton tinha o apoio de 69% da população, enquanto Donald J. Trump recolhe as graças de 44% dos norte-americanos.

"Estamos realmente à procura de dar uma mensagem muito, muito positiva", disse Trump aos jornalistas no domingo, no mesmo dia em que se enganou ao dar os parabéns aos Kansas City Chiefs por terem vencido o campeonato de futebol americano e estendeu os parabéns ao estado do Kansas (Kansas City fica no estado vizinho do Missouri). Mais tarde apagou a mensagem e substituiu-a com a indicação correta.

Um mau começo para falar do estado da União quando se comete um erro relativo a dois dos estados da União. Mas um pormenor sem importância quando há temas bem mais graves.

Senado vota amanhã

Já o julgamento no Senado está a correr de feição para o presidente, uma vez que a maioria republicana impediu a chamada de novas testemunhas. Caso mais dois republicanos se tivessem juntado a Mitt Romney e a Susan Collins e aos democratas, o que iria levar a mais semanas de julgamento e a um maior desgaste da imagem do presidente.

Agora a votação final do impeachment de Trump está marcada para quarta-feira. Se é dado adquirido que as acusações pelas quais foi condenado em primeira instância não terão sequência na câmara alta, dominada pelos republicanos, manda a prudência e aconselham os estrategas republicanos a não levar o tema para o discurso do Estado da União.

"Este tem sido um processo muito partidário e esta é uma oportunidade para ele unificar o país em torno de oportunidades para todos os americanos. Mais uma vez, vai apresentar essa oportunidade para o povo americano ver o quanto já foi feito e que não necessariamente foi demonstrado", disse por sua vez Jessica Ditto, porta-voz da Casa Branca.

"Penso que, em muitos aspetos, a melhor oportunidade que tem com este Estado da União em particular será o de atrair uma coligação mais alargada de apoiantes", disse o comentador Matt Mackowiak à ABC. "Espero que ele não seja demasiado ofensivo."

Mas Trump é Trump e as regras da política convencional não se aplicam a uma pessoa que diariamente insulta ou ameaça os adversários políticos no Twitter e que mente a uma velocidade imparável, como se pode verificar pela contagem do The Washington Post. No ano passado, o discurso decorreu após a crise do financiamento da administração, que levou a um shutdown. Então Trump apelou a uma "nova era de cooperação" e a "governar não como dois partidos, mas como uma nação".

Por outro lado, advertiu contra "investigações partidárias ridículas". À época, o procurador especial Robert Mueller ainda não tinha entregado o relatório que não encontrou provas de conspiração de Trump com a Rússia mas não exonerava de obstrução à justiça e ainda estava muito longe de manter a conversa com o presidente ucraniano que desencadeou o processo de destituição.

Ataque aos "radicais" de esquerda

Além da economia e da criação de emprego, o discurso de Trump vai abarcar temas relevantes para os cidadãos, como a saúde. Se os seus assessores não garantem que Trump não fale do processo de impeachment, dizem, por outro lado, que deverá atacar o que chamam de "propostas radicais" de candidatos democratas à presidência de cuidados de saúde universais.

Em contrapartida, Trump vai anunciar o plano de redução do preços de medicamentos, acabar com esquemas de faturação pouco transparentes e o combate à epidemia de opiáceos. Em 2016, Trump prometeu um plano de saúde melhor e mais barato do que o estabelecido por Barack Obama, porém ainda nada foi concretizado.

Na educação, Trump vai fazer o elogio às alternativas à escola pública e nas políticas sociais vai elogiar a aprovação recente da licença de parentalidade paga para os empregados da administração federal.

Outros temas que não vão faltar são a imigração, o famoso muro com o México e o combate ao crime.

Os "valores americanos" serão exaltados, o que do seu ponto de vista passa pela proteção das "liberdades religiosas", da limitação do acesso ao aborto e do direito ao porte de armas, mensagens para atrair as bases do seu eleitorado.

Sobre a política externa e a segurança nacional é de esperar que fale sobre a proposta de paz para o Médio Oriente (já rejeitada pela Palestina) e que recorde a execução do líder do Estado Islâmico Abu Bakr al-Baghdadi como exemplo do combate ao terrorismo e à liderança dos EUA.

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