o último fôlego do seu governo, a primeira-ministra britânica, Theresa May, recebe o presidente norte-americano, Donald Trump, que faz uma visita de Estado ao Reino Unido de 3 a 5 de junho. Será ela a ficar na fotografia com Trump, mas qualquer diálogo entre ambos será irrelevante. Em breve haverá um novo morador em Downing Street. May demite-se a 7 de junho, por causa do falhanço do Brexit, sendo o favorito à sucessão o seu antigo chefe da diplomacia, Boris Johnson, que Trump considera um "amigo" e disse no passado que daria "um grande primeiro-ministro". O que é que isso significa para a "relação especial" dos dois países, num momento crítico do pós-Brexit?.A última visita de Trump não deixa saudades a May, que teve de ouvir o presidente dos EUA dizer que "teria feito as coisas de forma muito diferente", referindo-se ao processo de negociação da saída do Reino Unido da União Europeia (UE). A primeira-ministra foi rápida a responder, revelando que o conselho de Trump tinha sido o de "processar" a UE, tendo ficado claro que a famosa "relação especial" entre os dois países não se traduzia numa amizade entre os dois líderes..Para cúmulo, Trump não poupou elogios a Boris Johnson, que tinha saído do governo em rutura com May por causa do Brexit. "Tenho um grande respeito pelo Boris. Ele gosta claramente de mim, diz coisas muito boas sobre mim", afirmou o presidente norte-americano em julho do ano passado, alegando que ele era "um grande representante" do Reino Unido e "seria um grande primeiro-ministro"..Já nesta semana, voltou à carga, mencionando que o seu outro amigo no Reino Unido é o líder do Partido do Brexit, Nigel Farage (o primeiro a visitá-lo em Nova Iorque após ganhar as eleições de 2016). "O Nigel Farage é meu amigo. O Boris é meu amigo. Gosto deles, mas não pensei em apoiá-los. Talvez não seja o meu dever apoiar as pessoas, mas tenho muito respeito por ambos", disse aos jornalistas a caminho de um discurso no Colorado..Um candidato entre 12.Johnson é atualmente um de 12 candidatos à liderança dos Tories, numa corrida que só começará oficialmente após a demissão de May. Visto como o favorito entre os militantes conservadores, o ex-chefe da diplomacia que defende um Brexit a 31 de outubro (com ou sem acordo com a UE) terá contudo de passar uma primeira barreira: os deputados do partido. Estes votam em rondas sucessivas até só restarem dois candidatos. O vencedor é escolhido depois pelo voto dos militantes..Se o presidente dos EUA teve de enfrentar o movimento Stop Trump, o candidato conservador enfrenta a campanha Stop Boris, lançada pelos mais moderados no partido. Entre os outros candidatos está, por exemplo, Dominic Raab (considerado ainda mais radical porque não exclui uma aliança com o partido de Farage) ou Jeremy Hunt, que pelo contrário quer afastar a hipótese de uma saída da EUA sem acordo. Nenhum deles poderá contudo vangloriar-se de ser apelidado de "amigo" por Trump..Sendo Johnson o favorito a suceder a May, isso podem ser boas notícias para a "relação especial" entre o Reino Unido e os EUA, que é fruto de séculos de laços linguísticos, culturais e políticos e de confiança mútua. Uma relação que esfriou por causa da forma de fazer política e da personalidade de Trump, mas também por causa do Brexit, já que os EUA arriscam perder o seu interlocutor privilegiado para lidar com a UE.."Todos os presidentes norte-americanos que conheci consideravam que a nossa relevância para a América é acrescida pela nossa pertença à UE", disse o ex-primeiro-ministro conservador John Major, num discurso em Londres no ano passado. "O nosso valor como um aliado da América vai diminuir. É uma loucura romântica pensar de outra forma. Não tenham dúvida. Se o Reino Unido já não puder servir os interesses da América na Europa, eles vão olhar para outro lado para alguém que possa", acrescentou..Futuro após o Brexit.Os EUA podem procurar outro interlocutor estratégico na UE, mas para o Reino Unido sempre foi clara a importância que os EUA terão no futuro. Nomeadamente no que diz respeito ao acordo de comércio que os dois países terão de assinar após o Brexit, não sendo bom sinal para Londres o facto de a administração norte-americana ter optado por uma linha dura nas eventuais negociações..Apesar das palavras de encorajamento de Trump, o presidente dos EUA já mostrou que, em matéria comercial, desconfia até dos seus sócios, pelo que são esperadas dificuldades nas negociações em áreas como a agricultura ou a saúde. "O presidente Trump tem sido um forte defensor do Brexit e acho que ele está desejoso de negociar com um Reino Unido totalmente independente da União Europeia", disse o conselheiro de Segurança Nacional de Trump, John Bolton, à Sky News. "Cabe aos conservadores escolherem um novo líder e depois vemos o que acontece no processo negocial", acrescentou o mesmo responsável..Johnson poderia tentar usar a amizade pessoal com Trump para conseguir alguma vantagem nas negociações, mas qualquer acordo terá de ser confirmado pelo Congresso dos EUA - e o presidente também não tem a tarefa fácil, não tendo ainda conseguido afastar totalmente a sombra da alegada interferência dos russos na sua campanha eleitoral e o eventual conluio da sua equipa..Para complicar as coisas, as dificuldades não serão só a nível de comércio, começando já a sentir-se ao nível dos serviços de informação. Os EUA estão a ameaçar cortar a colaboração com o Reino Unido se os britânicos não travarem a entrada da empresa chinesa Huawei no mercado de telecomunicações - ameaças semelhantes, a diferentes níveis, estão a ser feitas a outros países europeus, incluindo Portugal, por causa do risco de segurança que os norte-americanos acreditam que os chineses representam..Plano da visita.O presidente dos EUA chega na segunda-feira a Londres, juntamente com toda a família, sendo esperados os mesmos protestos que no ano passado - quando 250 mil pessoas saíram à rua e um balão gigante de um Trump bebé voou sobre a capital britânica..Ao contrário da anterior visita, que era de trabalho, esta será de Estado, a convite da rainha Isabel II. Os Trump serão recebidos com honras no Palácio de Buckingham. À noite, há o banquete real, com algumas baixas, como o líder da oposição trabalhista, Jeremy Corbyn, alegando que o Reino Unido "não devia honrar um presidente que usa retórica racista e misógina". No caso de eleições gerais e de Corbyn chegar a Downing Street, a "relação especial" entre os dois países parece condenada, com o líder trabalhista a considerar há décadas que os EUA são a origem dos grandes males do mundo e que Trump representa o pior que existe do outro lado do Atlântico..É no segundo dia de visita que Trump se reúne com May, estando prevista uma conferência de imprensa conjunta. À noite, é a vez de o presidente oferecer um jantar na residência do embaixador dos EUA, especulando-se que tanto Boris Johnson como Farage estejam entre os convidados. No último dia da visita, assinalam-se os 75 anos do Dia D.