Trudeau, o vizinho do Norte que se está a tornar o anti-Trump

Primeiro-ministro do Canadá reagiu no Twitter a suspensão de entrada nos EUA de refugiados e pessoas de sete países de maioria muçulmana relembrando que são bem-vindas no seu país.
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Sem nunca mencionar Donald Trump, Justin Trudeau deu uma das mais elogiadas respostas à decisão do novo presidente americano de suspender, por 90 dias, a entrada nos EUA de cidadãos naturais de sete países de maioria muçulmana e, por 120 dias, a entrada de refugiados no país. No Twitter, o primeiro-ministro canadiano deixou a mensagem: "Aos que fogem da perseguição, do terror e da guerra, fiquem a saber que o Canadá vos acolherá independentemente da vossa fé. A diversidade é a nossa força #Bem-vindosaoCanadá." Noutro tweet, Trudeau partilhou uma fotografia sua a receber uma menina síria no aeroporto em 2015, reforçando ainda mais a sua imagem de anti-Trump.

É verdade que, desde que o milionário republicano venceu as eleições de 8 de novembro nos Estados Unidos e, sobretudo, desde que tomou posse no passado dia 20, Trudeau se absteve de criticar abertamente o presidente americano. Até lhe deu os parabéns no dia em que o magnata se instalou na Casa Branca, sublinhando "o comércio robusto e laços de investimento" que unem os dois países. Os EUA são de longe o principal parceiro comercial do Canadá, representando mais de 70% das suas exportações e mais de 60% das importações.

Com a chegada de Trump ao poder, a economia parece no entanto ser das poucas coisas que une os vizinhos da América do Norte. E, mesmo assim, o presidente americano já ameaçou sair do acordo de comércio livre que ambos têm com o México caso os termos do documento não sejam revistos.

Com uma excelente relação com Barack Obama - Trudeau confessava em novembro que ia "ter saudades" do líder americano -, o primeiro-ministro canadiano pouco ou nada tem em comum com Trump. A começar pela idade. Se aos 70 anos o magnata do imobiliário é o mais velho presidente de sempre nos Estados Unidos, Trudeau, hoje com 45, foi o segundo mais novo primeiro-ministro do Canadá, quando tomou posse em novembro de 2015. Filho de Pierre Trudeau, este antigo professor parece ter beneficiado da mesma trudeaumania que marcou os governos do pai, primeiro-ministro entre 1969 e 1984, com uma breve interrupção.

Criado no centro do poder - em criança conheceu líderes como a rainha Isabel II ou o presidente Ronald Reagan -, Justin Trudeau mostrou desde o primeiro dia como primeiro-ministro que representava um novo Canadá. Depois de quase uma década de governos do conservador Stephen Harper, Trudeau apresentou um executivo com o mesmo número de homens e mulheres "porque estamos em 2015", prometeu mais investimento público ao longo de três anos para dinamizar uma economia afetada pela quebra no preço do petróleo, mas sobretudo trouxe um estilo descontraído, um contraste com o cinzentismo de Harper.

Com Trudeau, o Canadá ganhou espaço na imprensa internacional, seja por o primeiro-ministro não hesitar em participar em combates de boxe, por aparecer a fazer ioga no gabinete, por participar nas marchas de orgulho LGBT, por celebrar as festas de todas as religiões - do Natal ao Hanucá, passando pelo Diwali - ou simplesmente por surgir ao lado da mulher e dos três filhos pequenos a dançar no Dia Nacional.

Com o mundo a tentar gerir a crise dos refugiados, o Canadá de Trudeau também se tornou um campeão do acolhimento, com o primeiro-ministro a ir ao aeroporto receber logo o primeiro contingente de migrantes, em finais de 2015, levando com ele casacos para lhes oferecer, apropriados ao rigoroso clima canadiano. Desde então o país já recebeu quase 40 mil refugiados, segundo os últimos dados disponíveis. E em 2017 espera receber 300 mil imigrantes, na maioria migrantes económicos, mas também mais 40 mil refugiados.

Não espanta assim a reação de Trudeau - que há um ano o americano The Washington Post apresentava como o melhor exemplo de líder "anti-Trump"- a uma decisão do presidente americano que afetaria muitos canadianos, a começar pelo ministro da Imigração, Ahmed Hussein, refugiado somali e detentor da dupla nacionalidade. O governo de Otava veio entretanto anunciar que a proibição de entrada nos EUA não se aplica aos seus cidadãos, mesmo os que têm também nacionalidade de um dos sete países visados por Trump: Iraque, Síria, Irão, Líbia, Somália, Sudão e Iémen.

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O decreto presidencial assinado por Trump na sexta-feira causou uma indignação quase geral, com França, Alemanha e Reino Unido unânimes em considerar a medida discriminatória, juntando-se assim aos responsáveis de países muçulmanos como Irão ou Indonésia na condenação. Confrontado também com enormes protestos em aeroportos onde várias pessoas foram detidas pelas autoridades, o presidente americano, longe de recuar, veio ontem reafirmar a sua decisão. "O nosso país precisa de fronteiras fortes e de um veto extremo [aos imigrantes], AGORA. Vejam o que está a acontecer por toda a Europa e, de facto, por todo o mundo - uma terrível confusão!"

Apesar de a juíza federal Ann M. Donnelly, do Tribunal do Distrito Federal de Brooklyn (Nova Iorque), ter travado em parte a deportação de cidadãos dos sete países já mencionados, a medida continua por enquanto em vigor. Mesmo se, depois de o Departamento de Segurança Nacional ter confirmado no sábado que se aplicava a detentores de autorização de residência (green card), ontem o chefe de gabinete de Trump, Reince Priebus, disse que afinal estes não estão abrangidos.

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