Tribunal alemão condena sírio a prisão perpétua em julgamento histórico
Um tribunal alemão condenou esta quinta-feira um ex-coronel dos serviços secretos sírios a prisão perpétua por crimes contra a humanidade no primeiro julgamento do mundo relacionado com abusos atribuídos ao regime de Bashar al-Assad.
O Tribunal Regional Superior de Koblenz condenou o sírio Anwar Raslan, 58 anos, por matar 27 pessoas e torturar milhares de prisioneiros num centro de detenção secreto do governo de Al-Assad em Damasco entre 2011 e 2012. Esta é a segunda condenação no julgamento, depois de um antigo oficial dos serviços secretos sírio ter sido condenado em fevereiro de 2021.
Os juízes declararam Anwar Raslan culpado do assassinato de 27 pessoas no centro de detenção Al-Khatib, também conhecido como Branch 251 (ou Ramo 251). Quase 11 anos após o início da revolta popular na Síria, este foi o primeiro julgamento de crimes atribuídos ao regime sírio e repetidamente documentados por ativistas sírios e organizações não-governamentais (ONG).
Em 2016, uma comissão de inquérito da ONU acusou o regime de Al-Assad de exterminar os detidos. Anwar Raslan, que chefiou o departamento de investigação do Ramo 251 do extenso aparelho de segurança sírio, permaneceu em silêncio durante o longo julgamento, que teve início em 23 de abril de 2020.
Na manhã desta quinta-feira, ouviu o veredicto, traduzido para o árabe, sem emoção aparente, segundo relato da agência de notícias France-Presse (AFP).
Em maio de 2020, os seus advogados leram uma declaração escrita na qual o antigo oficial negou o seu alegado envolvimento na morte e tortura dos detidos. Raslan repetiu esta afirmação no início de janeiro, quando o seu intérprete leu uma nova declaração, antes de o tribunal se retirar para deliberar.
Na primeira parte deste julgamento, que é seguido de perto pela grande comunidade síria no exílio, o tribunal de Koblenz condenou Eyad al-Gharib, antigo membro dos serviços de informações, a quatro anos e meio de prisão em fevereiro de 2021.
Para estes processos, a Alemanha aplica o princípio legal da jurisdição universal, que permite a um Estado processar os autores dos crimes mais graves, independentemente da sua nacionalidade ou do local onde foram cometidos.
Famílias sírias reuniram-se em frente ao tribunal no início da manhã, segurando faixas e cartazes com a pergunta "onde estão?", numa alusão aos que desapareceram nos centros de detenção sírios.
Mais de 80 pessoas testemunharam em tribunal, incluindo 12 desertores e muitas vítimas que descreveram os abusos que sofreram em celas insalubres e superlotadas no centro de detenção secreto, onde foram torturadas com choques elétricos, pontapés e espancamentos com cabos, entre outros atos.
Durante a sessão, foram também mostradas fotografias de um ex-fotógrafo militar que arriscou a vida para fugir da Síria, com milhares de fotografias de detidos a serem torturados. Outro sírio também testemunhou sobre as valas comuns em que foram enterrados os corpos dos detidos.
"Espero que tenhamos sido capazes de dar voz àqueles que estão privados de uma" na Síria, disse Wassim Mukdad, parte civil no julgamento, citado pela AFP. "Quero que se faça justiça", sem "vingança ou retaliação," acrescentou.
Nas alegações finais, o procurador, que se referiu à responsabilidade histórica da Alemanha, citou um sobrevivente do Holocausto. Outro julgamento ligado ao regime sírio, o de um médico que se refugiou na Alemanha, deverá começar na próxima quinta-feira, em Frankfurt.