Três pessoas morrem por dia em Portugal. A melhor forma de prevenir o suicídio é falar dele

A cada 40 segundos morre uma pessoa por decisão própria no mundo. Decisão que, na maioria dos casos, decorre de uma doença mental e resulta de uma situação de sofrimento extremo. Para psicólogos e psiquiatras a melhor forma de prevenir este fenómeno é não ter medo de falar de um tema que afeta toda a sociedade. E falar com os especialistas.
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Todos os dias três pessoas põem termo à sua vida em Portugal. Números divulgados pela Ordem dos Psicólogos aquando do Dia Mundial da Prevenção do Suicídio. Um dado que, inclusive, pode pecar por ser subestimado, dado que "o seu registo nem sempre é feito devidamente".

Feitas as contas todos os anos morrem quase 800 mil pessoas por suicídio no mundo. Isso corresponde a uma fatalidade a cada 40 segundos. Sendo que a maioria das pessoas sofria de problemas de Saúde Psicológica (nomeadamente Depressão e Consumo Problemático de Álcool). Preocupante é o facto de não ser algo restrito a uma determinada faixa etária. Na verdade, os dados indicam que o suicídio é a segunda causa de morte entre os jovens (15-34 anos) em todo o mundo.

Números que dão que pensar. E que ocorre em grande medida porque a sociedade não nos ensina a gerir as emoções. A falar sem tabus de temas que deveriam ser falados. Incluindo o suicídio, nomeadamente o que está por detrás e que não é vergonha nenhuma admitir que se precisa de ajuda e que se vai a um psicólogo/psiquiatra. Porque, como aponta Gustavo Jesus, psiquiatra e docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, a maioria das pessoas que comete suicídio sofre de alguma perturbação mental, nomeadamente depressão. "O suicídio é um potencial desfecho de uma doença mental", refere, acrescentando que, muitas vezes, as ideias de morte surgem, numa primeira fase, de uma forma passiva, onde as pessoas sentem que não vale a pena viver ou que a vida já não é interessante e que evoluem para "talvez fosse melhor morrer". Sendo mais grave quando dessa fase as pessoas desenvolvem planos. "Esta gradação de gravidade é, ela própria, um sinal de alerta", afirma o psiquiatra. Ou seja, quanto mais forte forem os pensamentos e os planos da pessoa mais grave é a situação e mais urgente é o pedir ajuda.

Apesar de ser a mais frequente a depressão não é a única doença psiquiátrica associada ao suicídio. Há também a doença bipolar, a esquizofrenia, e outras doenças mentais. "Mas, na generalidade dos casos de suicídio há doença mental por trás", afirma o psiquiatra.

A isto Carolina Ferreira, psicóloga clínica e embaixadora do Acreditar, afirma que temos de encarar o suicídio como um ato de sofrimento profundo, em que a pessoa sente que já não tem qualquer tipo de alternativa, como se o ato de pôr termo à vida fosse a sua única saída. Normalmente a pessoa sente que não vai fazer falta a ninguém e que ninguém gosta de si. Sentimentos que levam a que a pessoa se isole de quem está à sua volta, agravando essa sensação de impotência. É difícil definir, exatamente, o que leva as pessoas a tomarem essa decisão. "Há uma multiplicidade de fatores, não há uma única razão e não é igual para todas as pessoas", afirma a psicóloga, acrescentando que tanto se pode tratar de perturbações mentais que não são devidamente tratadas - nomeadamente a depressão num estágio grave - mas, também, situações traumáticas que a pessoa possa ter passado. Dentro destas ênfase para vivências que tenham colocado a pessoa num estado limite, como problemas financeiros, perdas (seja por morte ou relacional, como o divórcio), abusos de substâncias, relacionamentos tóxicos,... tudo isto pode levar a que as pessoas "se sintam isoladas, desapoiadas, mesmo tendo pessoas à sua volta".

O que fazer? Quer Carolina Ferreira como Gustavo Jesus afirmam que se deve levar a sério frases como "não sirvo para nada", "quem me dera morrer", "quem me dera desaparecer".

Há quem julgue estes atos de "coragem" ou de "cobardia". Sobre isso Gustavo Jesus é taxativo. As pessoas estão em sofrimento e normalmente não dizem que querem morrer, mas sim que querem deixar de sofrer. O psiquiatra acrescenta ainda que é importante perceber que há tratamento. Que, para a generalidade dos casos, existe tratamento da doença de base. "Isso quer dizer que as ideias de morte mais amplas e, depois, em particular as ideias de suicídio, na maior parte dos casos são um sintoma de uma doença mental e deve ser feito uma avaliação médica, para fazer o diagnóstico diferencial daquelas ideias e iniciar o tratamento", afirma, acrescentando que "o tratamento é eficaz".

Vivemos num mundo paradoxal. Em que, como aponta Carolina Ferreira, se quer ter autenticidade, mas, por outro lado, não há espaço para que as pessoas mostrem as suas verdadeiras emoções. E, assim, sentimentos como a raiva e a tristeza são mascarados com um sorriso. E quando não há espaço para uma pessoa poder ser ela própria há um fator de risco para o isolamento, a depressão e o suicídio.

A questão, aponta a psicóloga, é que a sociedade está muito virada para a criação das competências técnicas e não para as chamadas soft skills. "Precisamos de ensinar, a começar pelos nossos jovens, a ensinar a gerir as nossas emoções", afirma, acrescentando que são elas que nos ajudam a gerir a perda, a frustração... porque é essa gestão das emoções -- onde se inclui o termo "não" -- que dá a estrutura emocional às pessoas e que lhes vai permitir enfrentar as mais diversas situações ao longo da sua vida.

A isto há que acrescentar ainda a questão de uma sociedade que vive cada vez mais da imagem. Em que é como que impensável partilhar algo mais do que uma vida perfeita nas redes sociais e que o valor de uma pessoa é determinado pelo número de gostos de alcança. "E isso contribui para que sejamos cada vez mais vulneráveis e frágeis", aponta Carolina Ferreira.

Não há uma única razão que pode levar ao suicídio. Mas há fatores de risco. Sendo uma tentativa prévia o sinal mais evidente. A isto acresce, refere a psicóloga, se existem problemas de saúde psicológica, como a depressão, o consumo de substâncias, um acontecimento traumático recente. Caso se verifique alguma destas situações convém estar atento e redirecionar a pessoa para um especialista de saúde. "E trazer sempre uma rede de apoio", acrescenta Carolina Ferreira, porque, ao contrário do que muitos pessoas, uma pessoa não se tenta suicidar porque quer chamar à atenção.

"Uma tentativa de suicídio é um sinal de que a pessoa está num grau de sofrimento e deve ser levada a sério", afirma, acrescentando que "nunca deve ser ignorada".

"Quem se quer mesmo matar não diz". Este é um dos mitos apontados por Gustavo Jesus que refere que isso nem sempre é verdade. Porque já afirmaram várias das frases que nos deveriam colocar em alerta. Acontece que "são alertas que, às vezes, as pessoas não estão sensíveis para ouvir". Isto tem de mudar. Estas frases devem ser levadas a sério e a pessoa deve ser levada a procurar ajuda. Porque estas frases são nada menos nada mais que um pedido de ajuda.

É verdade que todos somos diferentes. Como aponta Gustavo Jesus há pessoas que estando muito deprimidas são altamente discretas e não dizem nada a ninguém, outras pedem ajuda, até de forma bastante vocal. Aqui entra-se num outro mito. Por sere, tão vocais o seu pedido de ajuda é desvalorizado.

E depois (talvez) o mais grave. Mesmo quando há um pedido de ajuda - ou a suspeita de ideias de suicídio - as pessoas têm receio de falar do assunto. Há a perceção de que "falar do assunto é estarmos a dar ideias", aponta Gustavo Jesus que afirma convicto que é uma noção falsa. "Falar com a pessoa sobre o tema vai aliviar a tensão que a pessoa sente", afirma. Porque o pensamento suicida leva ao sofrimento, ao isolamento, ao pensar que a pessoa está sozinha, que os outros não estão a passar pelo mesmo que ela. Com isto "sente-se sozinha no seu sofrimento". O "sentir abertura de familiares, amigos e de profissionais de saúde vai aliviar esse sofrimento", refere o psicólogo que acrescenta que quando suspeitamos que alguém próximo de nós está a passar por um sofrimento desse tipo devemos verbalizá-lo, porque a pessoa ao sentir abertura para falar do assunto vai sentir-se melhor. E vai diminuir a tensão associada aquele pensamento.

É certo que "o pensamento suicidário surge num contexto de vida e social, mas, na maior parte dos casos, requer a existência de uma doença mental", afirma Gustavo Jesus. Não basta haver uma vida com característica duras para que ele surja. Sendo que o contrário também é verdadeiro. "Uma pessoa pode aparentemente ter tudo, aparentemente não ter problemas significativos e ainda assim ter ideias de morte. Porquê? Por ter doença mental", afirma, acrescentando que esta pode ser uma depressão, no contexto da qual surgem sintomas que são as ideias de morte. Mesmo que na vida não esteja a acontecer nada de negativo. Porque há, também, fatores biológicos associados. "Pessoas que tenham uma história familiar de suicídio têm, também, um maior risco de suicídio", aponta, explicando que isso acontece pelo histórico familiar, em que o comportamento já foi observado e, por outro lado, pensa-se que existe um componente genético, não no suicídio propriamente dito, mas nalguns traços da personalidade que possam condicionar o comportamento.

Há ainda que considerar o consumo de substâncias tóxicas que, ao "causar alguma desinibição, efeitos psicoativos, podem levar a comportamentos que, num estado de sobriedade, não aconteceriam". E nem é preciso ir para "drogas pesadas". Basta o álcool. "Se uma pessoa estiver com depressão e tiver ideias deste estilo, ao consumir álcool e ficar intoxicada e agir sobre aqueles pensamentos, que, de outra maneira não agiria", refere.

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