A Renamo vai sobreviver à morte de Afonso Dhlakama. A questão é quem a vai liderar e que linha política definirá o seu sucessor num momento em que se vive um impasse no processo de aplicação do acordo de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR), assinado pouco antes da morte de Dhlakama entre este e o presidente Filipe Nyusi, e permanecem críticas aos resultados das eleições autárquicas de outubro..Um desafio suplementar para o futuro líder é o de se mostrará capacidade de gerar um poder mobilizador, carisma e prestígio suficientes para dirigir a Renamo na fórmula seguida por Afonso Dhlakama ou se irá adotar um novo modelo de liderança..Desafios estes tão ou mais importante num momento em que o país se vê confrontado com novos problemas de imagem externa e necessita de uma real e eficaz oposição para contrabalançar a hegemonia da Frelimo, refém ainda das práticas dos tempos de partido único..O primeiro daqueles desafios resulta da prisão do antigo ministro das Finanças Manuel Chang, associado ao escândalo da "dívida oculta" (descoberta em 2014 e com um valor estimado no equivalente a quase dois mil milhões de euros), e cuja extradição foi pedida pelas autoridades americanas. Um pedido apoiado pela Renamo..A expressão aplica-se aos empréstimos feitos no princípio da década atual a três empresas públicas: a Empresa Moçambicana de Atum, a Mozambique Asset Management e a ProIndicus, entidades tuteladas pelo Ministério da Defesa e que apresentaram projetos de segurança marítima, usando o Credit Suisse e o banco russo VTB como parceiros financeiros..Uma extradição de Chang para os EUA e subsequentes investigações poderiam revelar outros nomes próximos do círculo do poder e outras práticas ilegais, pondo ainda mais em xeque a autoridade e a legitimidade políticas da Frelimo.."Partido tem de ser íntegro" Não por acaso, o antigo presidente Joaquim Chissano dizia na passada semana que a Frelimo tem de criar "instrumentos para purificação das fileiras do nosso partido", falando à Rádio Moçambique. "O partido tem de ser íntegro", sublinhou Chissano numa mensagem com destinatários óbvios na Frelimo..O segundo daqueles desafios relaciona-se com a situação política interna de que o exemplo mais recente é o das autárquicas de outubro, marcadas por fraudes denunciadas por observadores independentes, por ONG e pela hierarquia da Igreja Católica. Exemplo extremo foi a repetição, a 22 de novembro, das autárquicas no distrito de Marromeu, onde as irregularidades detetadas na segunda votação acabaram por se revelar ainda mais escandalosas do que na votação original..O que levou a intervenções da Comissão Nacional Eleitoral e do Conselho Constitucional para corrigirem algumas irregularidades - sem, contudo, porem em causa a vitória da Frelimo.."Regime autoritário" Com base nestes factos e noutros desenvolvimentos internos, como raptos e execuções que sucedem com preocupante regularidade, o recentemente divulgado Índice de Democracia da revista The Economist para 2018 baixou a qualificação de Moçambique, que passou de "regime híbrido" a "regime autoritário", com os piores indicadores a verificarem-se no capítulo das liberdades civis e do funcionamento do governo. Por outras palavras, ausência de real pluralismo político e predomínio de uma cultura de corrupção e de total alinhamento do aparelho de Estado com o partido no poder..Um terceiro fator a ter presente na equação do futuro político próximo é a continuada violência na província de Cabo Delgado envolvendo alegados grupos islamitas e que o governo se tem mostrado incapaz de controlar. Embora esta conjuntura particular não envolva diretamente, tanto quanto é possível saber, a Renamo, a perpetuação de um conflito de baixa intensidade mas de contornos violentos não deixa de colocar desafios ao poder político e à oposição..O número de mortos estima-se já em mais de cem, entre atacantes, forças de segurança e civis, com episódios macabros a marcarem alguns dos ataques e respostas de violência desproporcionada por parte das autoridades. Um recente relatório da Human Rights Watch indicava que as forças de segurança parecem perseguir indiscriminadamente suspeitos de envolvimento nos ataques como os habitantes das aldeias locais..Três candidatos Candidatos declarados são o irmão mais novo do líder histórico, o brigadeiro na reserva Elias Dhlakama, o atual secretário-geral Manuel Bissopo e o coordenador interino Ossufo Momade. Mas não é de excluir uma candidatura de última hora para tentar fazer as pontes entre, pelo menos, alguns dos candidatos..O congresso da Renamo principia nesta terça-feira, 15, e termina na quinta-feira, 17, realizando-se na Gorongosa, cerca de oito meses após a morte de Dhlakama, a 3 de maio de 2018..O resultado do congresso mostrará também a qualidade do pluralismo e da democracia interna que se vive no partido e se as personalidades derrotadas aceitarão o resultado dos votos. No passado, a Renamo, por divergências políticas, conheceu duas cisões: a mais importante, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), liderada por Daviz Simango, e a de Raul Domingos (um dos negociadores do Acordo Geral de Roma, de 1992), que viria a fundar o Partido para a Paz, Democracia e Desenvolvimento..O MDM firmou-se como terceira força da oposição no país enquanto o PPDD permanece uma força política menor..Um outro risco, apontado por alguns analistas, seria emergir do congresso uma cisão entre uma "ala política" e "urbana" e uma "ala militar" e da "Gorongosa". Um cenário meramente especulativo resultante de uma leitura que não considera todos os motivos que levaram ao conflito de baixo intensidade entre 2013 e 2016, a que o referido acordo de DDR veio pôr fim..O que não significa a impossibilidade de alguns pequenos grupos prosseguirem "estratégias autónomas" de natureza violenta até como forma de obterem contrapartidas - "tributos" - das empresas nas regiões onde estão ativos..O nome Dhlakama. Se Elias Dhlakama, de 54 anos, é visto como favorito, pelo nome que transporta consigo e pelo apoio de algumas figuras relevantes do partido, de que é exemplo a líder da bancada parlamentar, Ivone Soares, não deixa de suscitar alguns anticorpos pelo facto de ter estado vinculado às forças armadas moçambicanas e de não cumprir uma das condições previstas para o exercício da liderança: ter sido secretário-geral do movimento e nem sequer ter 15 anos de militância partidária, porque era então quadro das Forças Armadas. E, principalmente, por não ter seguido o conselho do irmão para abandonar as Forças Armadas onde chegou ao posto de brigadeiro..Para alguns setores do partido, Elias foi "corrompido pela Frelimo", constatava recentemente o analista Calton Cadeado citado pela Deutsche Welle..Outro candidato potencial é o coordenador político interino Ossufo Momade, que tem a vantagem de estar ligado há bastante tempo ao aparelho do partido, de ter passado na experiência da guerrilha e de ter desempenhado funções políticas relevantes..Pelo seu passado na guerrilha, conta com a lealdade de parte importante do núcleo dos combatentes, um setor ainda determinante no partido atendendo à conjuntura no país e às tensões entre a Renamo e a Frelimo..Nasceu na ilha de Moçambique, no início dos anos 60, o que o aproxima das comunidades muçulmanas e chegou a integrar as Forças Armadas da Frelimo antes de passar para a Renamo em 1978. Percorreu os escalões políticos e militares do movimento, estando envolvido no processo das negociações que levaram ao Acordo Geral de Paz de Roma, em 1992. Foi secretário-geral do partido até ser substituído por Bissopo..Em termos de argumentação política, Momade pode reivindicar os bons resultados nas recentes autárquicas, mesmo inquinados por fraudes óbvias. O que lhe confere um capital político relevante..O terceiro nome de que se fala é o de Manuel Bissopo, de 49 anos, que tem um longo percurso no movimento e com experiência nas áreas política e militar, exercendo o cargo de secretário-geral desde 2012. Era considerado um incondicional de Afonso Dhlakama. Ao anunciar a candidatura, em finais de dezembro, assumiu "os ideais do presidente Afonso Dhlakama"..No plano político, o terceiro lugar em que ficou nas autárquicas da Beira, atrás de Daviz Simango, do MDM, e de Augusta Maita, a candidata da Frelimo, pode funcionar como uma possível menos-valia..O congresso que se inicia nesta terça-feira na Gorongosa, independentemente da escolha do futuro líder, a ser designado na quinta-feira, é também sobretudo um teste à capacidade de adaptação da Renamo a uma situação política que permanece tensa e armadilhada na relação com a Frelimo. Mas não deixará de marcar um novo ciclo na vida do partido.