"A pessoa que nos meteu nesta confusão será responsável por nos tirar dela. Temo que isto não vá correr bem", escrevia nesta quinta-feira no Twitter John Springford, subdiretor do Centro para a Reforma Europeia (CER, na sigla inglesa), um think tank britânico pró-europeu. A pessoa a que se referia era Boris Johnson, que foi um dos rostos do referendo do Brexit e é apontado como favorito à vitória na corrida à liderança do Partido Conservador - e consequentemente a assumir a chefia do governo britânico. O adversário é o chefe da diplomacia, Jeremy Hunt, e o resultado será conhecido, se não houver surpresas, em finais de julho..A 23 de junho de 2016, os britânicos foram às urnas desafiados pelo então primeiro-ministro David Cameron. O conservador queria cumprir uma promessa de campanha e acalmar a ala mais à direita do partido, confiante de que venceria sem problemas o referendo e o Reino Unido continuaria na União Europeia (UE). Mas as contas saíram goradas e, nas urnas, 51,9% dos eleitores optaram pelo Brexit (48,1% votaram para remain, isto é, para ficar). Cameron demitiu-se na sequência da derrota, deixando a porta aberta para Theresa May, que apesar de ter votado contra o Brexit assumiu a tarefa de o conseguir. Três anos depois, está ela própria à beira da saída, sem ter conseguido cumprir o objetivo, aguardando só o resultado da corrida à liderança dos tories para entregar a chave do número 10 de Downing Street. Springford, numa entrevista telefónica com o DN, explicou que foram três os seus erros, começando desde logo por "não ter conseguido construir um consenso interpartidário para o Brexit ainda antes de começar as negociações com Bruxelas". May acionou o artigo 50.º do Tratado de Lisboa, que pôs a andar o calendário de saída, a 29 de março de 2017, quase um ano depois do referendo, sem que houvesse uma posição comum da parte dos britânicos em relação ao que queriam conseguir das negociações..Depois disso, a situação não melhorou, nomeadamente porque logo a seguir, a 8 de junho, veio o segundo erro: "Convocar eleições antecipadas e perder a maioria que tinha, o que a obrigou a um acordo com o DUP [unionistas da Irlanda do Norte] e tornou a resolução do problema da fronteira irlandesa muito mais difícil." Finalmente, concluiu o subdiretor do CER, o erro final foi "não perceber que o problema com a fronteira irlandesa seria central para o Brexit até ser tarde de mais". As críticas em relação ao backstop, o mecanismo de salvaguarda para evitar uma fronteira física entre Irlanda do Norte e República da Irlanda, foram as que mais se ouviram..E agora?.O resultado dos erros de May e do governo britânico foi que o prazo para o Brexit já foi adiado duas vezes, a última para 31 de outubro, não se sabendo se será a data final. "Estamos numa crise profunda, porque estamos presos numa armadilha. Uma forma de sair da armadilha seria ter um segundo referendo, mas o problema é que Boris Johnson, que quase de certeza vai ganhar a corrida a líder dos tories, tem de manter a direita do partido com ele e eles odeiam a ideia de um segundo referendo", explicou ao DN Springford..Do lado da oposição trabalhista, as pressões para que o eurocético Jeremy Corbyn defenda uma segunda consulta têm vindo a aumentar, mas o Labour está a mudar de posição muito lentamente, preferindo ir a novas eleições. "E também porque, ideologicamente, a liderança trabalhista é a favor do Brexit", acrescentou. Corbyn defendeu nessa semana que qualquer acordo, seja ele qual for, tem de ir a votos, no mais próximo que esteve de pedir um segundo referendo. Springford questiona contudo que campanha faria ele nessa eventualidade, lembrando que a de 2016 não foi muito ativa a favor do remain. A realização de novas eleições é outra das possíveis saídas para a armadilha do Brexit, segundo o subdiretor do CES. "Outra saída é ter eleições gerais e tentar ter um novo Parlamento que consiga passar o acordo de Brexit ou avançar para uma saída sem acordo, se for isso que Boris Johnson quer. Mas as sondagens mostram um país muito dividido e o resultado é muito imprevisível, por causa da subida do Partido do Brexit, de Nigel Farage, e dos Liberais-Democratas", referiu. "Tanto um como outro, em extremos opostos, estão a fazer diminuir o centro e a encorajar a que tanto os tories como o Labour optem por posições mais extremas", lamentou..E Jeremy Hunt?.Depois de cinco votações entre os deputados conservadores para reduzir o número de candidatos à liderança a apenas dois, começa neste fim de semana a campanha oficial junto dos cerca de 160 mil militantes do partido. São eles que terão a palavra final sobre quem será o líder e primeiro-ministro, se nenhum dos candidatos desistir entretanto. O resultado será conhecido a 22 de julho..Hunt, de 52 anos, sucedeu a Johnson, de 55, na chefia da diplomacia britânica, após este ter saído em desacordo com May por causa do Brexit. É, ele próprio o admite, o "underdog", expressão em língua inglesa que designa o candidato que parte em desvantagem e que tem poucas hipóteses de vencer..A diferença para Johnson, no que diz respeito ao Brexit, é que Hunt não disse "vamos sair da UE a 31 de outubro aconteça o que acontecer" e é mais provável que peça uma extensão do prazo. "Mas enfrenta os mesmos problemas. O Partido Conservador tornou-se uma espécie de culto do Brexit e ele não poderá através de argumentos ou da sua personalidade transformá-los em pragmáticos do Brexit. E, apesar de ser mais educado do que Boris, isso não muda a postura firme e intransigente do partido", explicou o perito do CES..Tanto Johnson como Hunt apostam em voltar a sentar-se à mesa com a UE para renegociar. "Bruxelas não fará nenhuma mudança considerável ao acordo de saída. Talvez possa fazer uns ajustes, mas esses ajustes dificilmente conseguirão garantir a maioria parlamentar necessária", disse Springford. "Estamos abertos a discussões quanto à futura relação, se a posição do Reino Unido evoluir, mas o acordo de saída não está aberto a renegociação", reiterou ontem o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk..Na opinião do perito, há cada vez mais "frustração na UE" e os argumentos que o presidente francês, Emmanuel Macron, usou para tentar travar uma extensão do prazo do Brexit - que os britânicos iam desperdiçar o tempo e que se devia obrigá-los a tomar uma decisão - começam a ganhar mais apoiantes. Mas isso não significa que não possam ceder novamente na hora H para evitar o caos económico de sair sem acordo..Três anos após o referendo, os britânicos estão cansados do Brexit. "Há uma certa fadiga que se instalou, mas, em termos de opinião política, isso não fez que as pessoas estejam mais dispostas a chegar a um compromisso", disse Springford. "Os defensores do Brexit tornaram-se mais radicais com o tempo, estão menos abertos a aceitar continuar no mercado único, odeiam o acordo e estão mais dispostas a aceitar sair sem acordo. Do lado contrário, os pedidos para um segundo referendo têm-se tornado mais insistentes.".O que é feito deles? Tiveram um papel central no referendo do Brexit, a 23 de junho de 2016, e diferentes destinos após ser conhecido o resultado da consulta. Três anos depois, onde andam?.DAVID CAMERON.Primeiro-ministro desde 2010, conquistou a maioria nas eleições de 2015 e, para cumprir uma promessa do manifesto do Partido Conservador, convocou o referendo. Fez campanha contra o Brexit e demitiu-se quando os britânicos decidiram o contrário. Desde que deixou o governo, ocupa várias posições como consultor, sendo presidente de uma organização de caridade ligada à investigação do Alzheimer. Em março, aceitou um emprego numa empresa de inteligência artificial norte-americana. As suas memórias, intituladas For the Record, devem sair a 19 de setembro..JEREMY CORBYN.Era o líder da oposição e continua a sê-lo, tendo sido reeleito em 2016 pelos militantes trabalhistas, após uma tentativa interna de o derrubar. Surpreendeu com o resultado nas eleições de 2017, conquistando 40% dos votos, mais 30 deputados do que tinha até então e tirando a maioria que Theresa May herdara de Cameron. Eurocético, foi criticado por não ter participado ativamente na campanha do referendo - a política do Labour era de apoiar a continuação na UE. Está a ser forçado, lentamente, a defender um segundo referendo..BORIS JOHNSON.Um dos rostos do Brexit, o ex-presidente da Câmara de Londres era há muito apontado como o favorito para suceder a Cameron. Mas foi traído pelo seu diretor de campanha, Michael Gove, que, na manhã do dia em que Boris devia apresentar a candidatura à liderança do partido, se lançou ele próprio na corrida. Johnson recuou e Gove ficaria pelo caminho, com May a tornar-se primeira-ministra. Foi chefe da diplomacia até julho de 2018, quando se afastou em desacordo com May. Três anos depois do referendo, parece que chegou a sua hora..NIGEL FARAGE.O ex-líder dos independentistas do UKIP foi outro dos rostos da campanha do Brexit, afastando-se do partido após conseguir o seu principal objetivo. O eurodeputado manteve-se sempre crítico de May e, diante do fiasco das negociações, criou o Partido do Brexit. Venceu as eleições europeias que o Reino Unido já não devia ter feito, com 31,6% dos votos, e pode estragar as contas aos conservadores nas eleições gerais..GEORGE OSBORNE.Era o ministro das Finanças de Cameron e foi o arquiteto do "projeto medo", como foi apelidada a tentativa de alertar os eleitores para as consequências económicas do Brexit. Quando May chegou ao poder, Osborne foi um dos que foram afastados pela nova primeira-ministra. Foi deputado até maio de 2017, quando se tornou diretor do jornal tabloide Evening Standard, muitas vezes crítico da primeira-ministra.