Transtejo arrisca compensação por contrato dos Estaleiros de Peniche
A Transtejo já assinou o contrato para comprar dez barcos elétricos mas o processo está longe de resolvido. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAFL) levantou o impedimento para fechar o acordo com os espanhóis da Astilleros Gondán, por 52,44 milhões de euros. E os Estaleiros Navais de Peniche - que tentaram impugnar o concurso por alegados problemas de segurança no carregamento das embarcações - ainda podem ser indemnizados pelo Estado.
"A ponderação dos interesses em presença conduz, no caso em apreço, a que sobrepesem os interesses do lado do interesse público a cuja satisfação se destina a celebração e execução do contrato prosseguido, sendo que, por banda da autora [Estaleiros de Peniche], os interesses desta assumem-se essencialmente como de natureza pecuniária, os quais poderão vir a ser, posteriormente, integralmente acautelados e ressarcidos em caso de procedência da ação", refere o acórdão do TAFL, assinado no início da semana passada, a que o Dinheiro Vivo teve acesso.
Na quarta-feira, no Parlamento, o ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Matos Fernandes, afirmou que "a decisão do tribunal de que a contestação que foi feita ao concurso é completamente improcedente", pelo que acredita que, "se não for nesta semana, no início da próxima vamos conseguir assinar o contrato para aquisição dos navios elétricos". O contrato terá sido assinado na sexta-feira, noticiou o DN no sábado.
Contactados pelo DN/Dinheiro Vivo, os Estaleiros de Peniche argumentam que o tribunal se "limitou a levantar o seu efeito suspensivo, sem tecer considerações sobre o mérito da ação que, obviamente, prosseguirá caminho nos tribunais". A decisão tem impacto sobre a vida de três milhões de habitantes da Área Metropolitana de Lisboa.
Na resposta à impugnação entregue no início de novembro pelos estaleiros de Peniche, a transportadora fluvial do Tejo utilizou três argumentos para declarar interesse público: a elevada idade da frota, da qual resultam cada vez mais supressões e maiores custos de manutenção; o risco de perda de fundos comunitários caso o contrato não seja executado até 17 de maio deste ano; e o risco de incumprimento das metas de redução das emissões nos transportes até 2030.
A construtora portuguesa pôs em causa o sistema de carregamento manual, a partir de estações construídas nos terminais, proposto pela Astilleros Gondán. "Em face das potências elétricas consideradas, não é difícil de imaginar os riscos inerentes ao manuseamento de cabos rígidos e pesados, por parte do pessoal da Transtejo, muitas vezes em situação de instabilidade climatérica. O risco potencial de um acidente elétrico que afete funcionários e passageiros é maior num sistema de carregamento manual", alertaram em dezembro os Estaleiros de Peniche, numa carta enviada à federação de sindicatos dos transportes Fectrans.
A empresa portuguesa apresentou uma proposta de 56,89 milhões de euros pelos dez navios elétricos, 8,5% mais cara do que a oferta espanhola. Contudo, somado o preço das baterias, os navios de Peniche ficam por 64,4 milhões; o conjunto espanhol está orçado em 66,8 milhões de euros, 3,6% mais caro e com um consumo energético "superior em 66%" às embarcações que seriam produzidas pela empresa detida maioritariamente por capitais angolanos.
A qualidade técnica dos navios foi o principal requisito para escolher o vencedor: características como a autonomia, consumo e sistemas de propulsão representaram 45% da pontuação final. O fator preço surgiu em segundo lugar, com uma fatia de 40% nas contas finais. Sobram 15% para o prazo de entrega dos navios. Também participaram neste concurso a Holland Shipyards (Países Baixos) e a Majestic Glow Marine (Singapura).
A Transtejo conta receber o primeiro barco elétrico entre abril e junho de 2022, segundo o calendário do caderno de encargos. Entre 1 de julho e 30 de novembro de 2022 chegarão mais três embarcações. No primeiro semestre de 2023, vão atracar mais quatro navios; os últimos dois têm de ser entregues na primeira metade de 2024.
A ordem de encomenda dos novos barcos depende agora do Tribunal de Contas. De acordo com a legislação em vigor, a entidade liderada por José Tavares dispõe de 30 dias úteis para se pronunciar sobre um processo de visto. Se este tribunal devolver o processo para pedir mais elementos ou esclarecimentos, a contagem do prazo é interrompida e só é retomada quando chegar a resposta da empresa visada. Se não houver recusa ao fim de 30 dias úteis, é dado visto tácito e a encomenda pode seguir para a Astilleros Gondán.
Contactada pelo DN/Dinheiro Vivo, fonte oficial do gabinete de João Matos Fernandes não respondeu às perguntas enviadas no sábado.
Esta é a segunda vez que a Transtejo está a tentar renovar a frota. Em 2019, a empresa lançou um concurso para a compra de dez navios a gás natural, que foi anulado por incumprimento de requisitos. Os Astilleros Gondán, a concorrerem em conjunto com os estaleiros de Viana do Castelo, impugnaram na altura esse concurso, escreveu em novembro o jornal digital Observador.
As empresas públicas têm sofrido problemas para comprar novo material. Neste ano, a CP esteve praticamente dez meses à espera para assinar contrato para a aquisição de 22 novas automotoras elétricas para o serviço regional. O Metro de Lisboa aguardou nove meses, até novembro, para comprar 14 unidades triplas e um novo sistema de sinalização.
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