Em junho de 2018, precisamente em vésperas da estreia no Mundial, rebentou uma enorme polémica na seleção espanhola, com Julen Lopetegui a assinar contrato com o Real Madrid e a ser imediatamente dispensado do cargo de selecionador - a federação sentiu-se traída pelo ex-treinador do FC Porto por só ter tido conhecimento do acordo cinco minutos antes do anúncio oficial. Um ano e meio depois, um novo episódio volta a assombrar La Roja, desta vez uma situação com contornos diferentes, que implicam uma zanga séria e uma história de traição entre dois treinadores que eram grandes amigos e cujas consequências são ainda difíceis de avaliar..Mas vamos aos factos. Luis Enrique e Robert Moreno eram, respetivamente, selecionador e adjunto da seleção espanhola desde julho de 2019.Além disso, grandes amigos - tinham trabalhado juntos na Roma, Celta de Vigo e no Barcelona, desde 2008. Moreno era o braço direito de Luis Enrique. Há, contudo, um momento que muda completamente os acontecimentos. Em plena fase de qualificação para o Euro 2020, Luis Enrique recebe a notícia de que a sua filha Xana, de 9 anos, sofria de um tumor ósseo. Esta passa a ser a sua prioridade, e, em março, abandona de forma repentina o estágio da seleção em vésperas de um jogo com Malta..Na altura falou-se de um motivo pessoal de força maior, e a verdadeira razão foi mantida em segredo durante meses - apesar de toda a gente estar a par do drama que o selecionador vivia, mesmo a própria comunicação social decidiu respeitar a privacidade do técnico. Logo nesse jogo diante de Malta, Roberto Moreno pegou na seleção. E comandou a equipa nos outros que se seguiram na condição de interino, embora, como o próprio reconheceu, fosse mantendo o contacto com Luis Enrique, que ia acompanhando tudo à distância..A 19 de junho, numa altura em que o estado de saúde de Xana se agravava, o antigo jogador e treinador do Barcelona sentiu que não tinha condições para manter o foco na seleção espanhola, apesar de ter sempre trabalhado à distância. E numa conferência de imprensa agendada por Luis Rubiales, presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, o dirigente anunciou que Luis Enrique tinha abdicado do cargo. Moreno passava a selecionador principal.."Esta equipa técnica mostrou honestidade, trabalho, capacidade. Queremos esta equipa. Por uma questão familiar, Luis Enrique teve de sair e decidimos confiar no Robert Moreno para prosseguir esse trajeto. O objetivo passa por conseguir a qualificação para o Campeonato da Europa e fazer uma boa campanha. Estamos convencidos de que é a melhor solução para todos", referiu Rubiales.."Desde os 14 anos que sempre coloquei na cabeça que chegaria aqui, nunca pensei nem queria que fosse assim. O Luis Enrique respeita muito todos os códigos do futebol mas se tiver alguma dúvida com ele, sim, vou falar com ele. Estivemos nove anos juntos, aprendi tudo com ele mas sabendo que agora sou eu o número 1", referiu por sua vez Robert Moreno no mesmo dia..E assim foi. Desde o dia da renúncia de Luis Enrique, a seleção espanhola sob o comando de Moreno disputou seis jogos de qualificação para o Euro 2020 - venceu quatro, empatou dois e carimbou passaporte para o Euro 2020. Terminou no primeiro lugar do Grupo F, com 26 pontos, à frente da Suécia, com 21, segunda classificada..A morte da filha e o regresso à seleção.Pelo meio, a 29 de agosto, surgiu a notícia que ninguém queria receber. Através de um comunicado, Luis Enrique anunciou a morte da filha Xana. Só neste dia foi finalmente tornado público o verdadeiro motivo na ausência e da consequente renúncia do treinador. "A nossa filha Xana faleceu esta tarde aos 9 anos, depois de lutar durante cinco intensos meses contra um osteossarcoma. Agradecemos todas as mostras de carinho recebidas durante estes meses e agradecemos a discrição e compreensão", podia ler-se na mensagem..A 18 de novembro a bronca rebentou. No final do jogo com a Roménia, o último da fase de qualificação, já com a Espanha apurada para o Campeonato da Europa, Robert Moreno não compareceu na sala de imprensa. De acordo com relatos da imprensa espanhola, tinha sido informado pelo presidente da federação de que não iria continuar no cargo porque Luis Enrique ia voltar. O treinador despediu-se em lágrimas dos jogadores no balneário e desapareceu sem deixar rasto..No dia a seguir, Rubiales, presidente da federação espanhola, agendou uma conferência de imprensa. O motivo era anunciar o regresso de Luis Enrique ao cargo, mas as perguntas sobre a forma como ocorreu a saída de Moreno marcaram o encontro com os jornalistas. "Podemos confirmar que Luis Enrique regressa ao seu posto. No dia 19 de junho reuni com José Francisco Molina e Robert Moreno para explicar quem era o selecionador. Deixei claro que quando Luis Enrique quisesse voltar, voltaria", disse Luis Rubiales, garantindo nessa mesma conferência de imprensa que Moreno sempre transmitiu estar de acordo com o regresso do número 1..A partir daqui começaram a sair várias versões para esta história com contornos de drama. Em resposta à conferência de Rubiales, Robert Moreno emitiu um comunicado. Agradeceu a todos a oportunidade, disse estar de "consciência tranquila", frisou que sempre foi "um homem de palavra". Mas terminou com a seguinte frase: "A minha experiência como selecionador nacional começou e acabou da mesma forma, com um sabor agridoce.".As explicações de Luis Enrique e Robert Moreno.Enquanto iam saindo notícias nos principais jornais desportivos espanhóis sobre a tristeza do treinador pela forma como deixou o cargo e até artigos de opinião duros sobre a forma como o processo foi conduzido pela federação espanhola, inclusivamente da parte de Iker Casillas - "Somos um país anedótico, viva a Espanha" - o caso que parecia estar a adormecer ganhou contornos inesperados nesta semana, quando Luis Enrique foi apresentado como selecionador espanhol e na conferência de imprensa explicou a sua versão dos factos, deixando duras críticas à postura do seu ex-adjunto.."O único responsável por Robert Moreno não estar na minha equipa de trabalho sou eu. Não é o presidente Molina. Sabem que gosto de evitar polémicas, mas vejo-me obrigado a dar explicações. A 12 de setembro, numa reunião que durou cerca de 20 minutos em minha casa, Robert disse-me que queria continuar como selecionador até ao Campeonato da Europa e depois sim, ser o meu adjunto novamente. Entendo que é ambicioso, que é um sonho ser treinador, mas para mim é desleal. A ambição excessiva não é uma virtude, mas um grande defeito. Não quero ninguém assim na minha equipa técnica", disparou Luis Enrique, garantindo que em todo este processo nunca forçou o regresso, e que essa decisão coube apenas aos responsáveis da federação espanhola..Já nesta quinta-feira, Robert Moreno convocou uma conferência de imprensa na qual contou a sua versão. Confirmou que manteve uma reunião com Luís Enrique em que lhe disse que "se ele quisesse voltar daria um passo ao lado para ele entrar", acrescentando que foi nessa altura que Luis Enrique lhe comunicou que deixava de contar com ele na equipa técnica. "Fiquei em estado de choque", assumiu, garantindo nunca ter sido desleal com aquele com quem trabalhou durante nove anos. "Ele disse coisas sobre mim que não sou e que não merecia ouvir", frisou, lembrando algo que considera determinante para o regresso de Luis Enrique: "Se eu não tivesse ficado no cargo, ele não seria agora o selecionador.".Entretanto, a estação de televisão pública espanhola (TVE) revelou esta sexta-feira que a desavença entre os dois treinadores terá começado quando Luís Enrique propôs a Robert Moreno deixar a seleção espanhola para ser seu adjunto num clube inglês. Moreno acabou por recusar, justificando que tinha a ambição de orientar a seleção na fase final do Europeu de 2020. Esta revelação é feita tendo por base fontes próximas de Robert Moreno, técnico que também terá ficado nas más graças de Luis Enrique por ter dado entrevistas e por ter dado a titularidade na baliza a Kepa Arrizabalaga, que ocupou o lugar que era de David de Gea.