Trabalho e saúde: Marcelo ainda tem leis quentes na mão
O Presidente da República ainda não tem tempo para respirar ou libertar-se das funções e só pensar nas férias. Ainda terá para promulgação alguns dos diplomas mais quentes aprovados no último dia da sessão legislativa, porém, nem todos chegaram a Belém. Entre a meia centena que lhe chegou às mãos, já despachou vários menos complexos.
Entre os diplomas que ainda podem trazer surpresas estão o da Lei de Bases da Saúde, que foi publicado na sexta-feira em Diário da Assembleia da República e deverá chegar nesta segunda-feira à Presidência. E as novas leis laborais. A primeira não reuniu o consenso alargado que o Presidente da República pretendia, entenda-se PSD e PS, mas acabou aprovada à esquerda com os votos do PCP e do BE, que conseguiram chegar a acordo com os socialistas para viabilizar a lei. O segundo também não é pacifico e já levou as centrais sindicais, CGTP e UGT, a pedir uma audiência a Belém para contestarem as alterações.
Aliás, no dia da votação, a 19 de julho, assistiu-se a um forte momento de contestação, porventura o maior desde os tempos da troika: os sindicalistas da CGTP, todos vestidos de vermelho, levantaram-se contra a aprovação da legislação laboral do governo e acabaram expulsos das galerias, enquanto muitos gritavam "a luta continua" e "vergonha". O diploma foi aprovado só com os votos do PS e do CDS e os restantes partidos a votar contra. Resta saber se Marcelo entende serem positivas as alterações ou se as vê como perniciosas e poderá vetar o diploma.
Neste caso, ou a comissão permanente, que assegura os trabalhos parlamentares até 15 de outubro, data em que termina a legislatura, procederia às alterações eventualmente pedidas pelo Chefe do Estado, ou o diploma teria de esperar até ao novo Parlamento, eleito a 6 de outubro.
Dúvidas há também sobre o que Marcelo Rebelo de Sousa fará em relação à Lei de Bases da Saúde. O diploma foi só aprovado à esquerda, depois de PCP e BE terem aceitado a proposta do PS que revoga o decreto das parcerias público-privadas e remeter para legislação futura o modelo de gestão do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
O primeiro-ministro, António Costa, manifestou-se confiante na promulgação da lei, garantindo que não é ultrapassada nenhuma das linhas vermelhas estabelecidas por Marcelo. Mas o líder parlamentar acabou mesmo a fazer uma declaração para firmar essa ideia de que a vontade do Presidente não tinha sido desrespeitada.
O PS sublinhou, numa declaração de voto escrita, apresentada por Carlos César em nome do grupo parlamentar socialista, que a lei de bases aprovada "não é uma lei para estimular a concorrência económica entre setores prestadores de cuidados de saúde, como a que estava em vigor - é uma lei para obrigar à colaboração de todos nessa prestação".
O texto socialista insistia que o setor privado não fica excluído do SNS, ao reafirmar que esta "não é uma lei para inibir a iniciativa dos setores privado e social - é uma lei para afirmar a responsabilidade primordial do setor público". Aliás, César aponta que a nova legislação "não interdita o recurso a privados na gestão de unidades do SNS", mas "estimula a transparência e a prevenção de conflito de interesses e afirma claramente a preferência pela administração direta pelo Estado".
Os socialistas registam também que a nova lei "procede à reconsideração das políticas em matéria de taxas moderadoras, ou da valorização dos profissionais de saúde", apesar das críticas dos seus parceiros parlamentares. Mas sem o apoio do PSD e do CDS, Marcelo pode manter as dúvidas que tinha sobre as alterações a uma lei que datava da época do governo de Cavaco Silva.
A partir da data em que recebe as leis, o Presidente tem 20 dias para promulgar ou vetar os decretos da Assembleia da República e 40 para decidir sobre os decretos-lei do governo. Pode, no entanto, deixar os diplomas do executivo para depois, não só porque os prazos são mais dilatados mas também porque o Presidente pode pedir esclarecimentos, o que levará os prazos a escorregar para setembro.
Na sexta-feira, assim que chegou da Alemanha, promulgou sem hesitação a chamada "lei dos primos", já que ele próprio defendera uma clarificação das normas vigentes após a polémica sobre a nomeação de familiares no governo. O diploma restringe as nomeações até parentes em quarto grau na linha colateral.
Mas antes de ir para a Alemanha já tinha despachado vários diplomas, como o do Estatuto dos Magistrados Judiciais, em que avisou que o aumento salarial dos juízes - que passam a poder ganhar mais do que o primeiro-ministro - amplia as disparidades para os militares e as forças de segurança.
Marcelo promulgou ainda a Lei de Bases da Habitação, mas sublinhou alguns reparos: "Apesar de dúvidas quer quanto à possível concretização das elevadas expectativas suscitadas, quer quanto à porventura excessiva especificação para uma lei de bases, atendendo ao seu significado simbólico volvidas décadas de regime democrático, o Presidente da República promulgou o diploma que aprova a Lei de Bases da Habitação."
Na área da educação, o Presidente promulgou três diplomas: o alargamento da gratuitidade dos manuais escolares a toda a escolaridade obrigatória na rede pública do Ministério da Educação; novos mecanismos de regularização de dívidas por não pagamento de propinas em instituições de ensino superior públicas; alterações ao Regime Jurídico da Avaliação do Ensino Superior. Sobre os manuais gratuitos, Marcelo fez questão de avisar que "espera" que o regime agora estabelecido "seja sustentável em termos editoriais, sem quebra de qualidade".
O Presidente deu luz verde também ao Estatuto do Cuidador Informal, que define, entre outras medidas, um subsídio de apoio aos cuidadores, o descanso a que tem direito e medidas específicas relativamente à sua carreira contributiva. Marcelo aprovou ainda a eliminação dos prazos legais para quem quer casar-se segunda vez.