Depois de uma terceira noite de tensão e violência na Catalunha, desde que na segunda-feira foi conhecida a sentença dos 12 independentistas, condenados a penas até 13 anos de prisão, o presidente do governo catalão, Quim Torra esteve esta manhã no Parlamento para insistir no apelo à "desobediência civil". Pedindo contenção aos Mossos d'Esquadra, a polícia catalã, Torra afirmou "teremos de voltar a levar a autodeterminação às urnas"..Esta ameaça de um novo referendo à independência, a ter lugar antes do fim da legislatura (isto é, antes de dezembro de 2021), é um claro desafio ao Tribunal Constitucional que na quarta-feira lhe lançou um apelo para que não promovesse a secessão. "Nenhum tribunal impedirá que este presidente continue a impulsionar iniciativas sobre o direito à autodeterminação", afirmou Torra no Parlamento catalão, mesmo com a ameaça de uma condenação a 100 anos de prisão. .Novos protestos foram convocados para esta quinta-feira pelos Comités de Defesa da República.."Não aceitamos a sentença da ignomínia", garantiu Torra, prometendo procurar um grande acordo com entidades e partidos na Catalunha para conseguir uma amnistia para todos os que foram "alvo de represálias" pelo processo secessionista. .Os partidos independentistas terão sido surpreendidos pela proposta de Torra. Segundo o ABC, tanto o Junts per Catalunya como a Esquerda Republicana da Catalunha dizem que a proposta do presidente da Generalitat surge de uma decisão "unilateral". A própria Generalitat fala numa proposta para que os partidos independentistas, incluindo a Candidatura de Unidade Popular (CUP) que também não sabia da ideia de Torra, se ponham de acordo..A oposição pediu, no Parlamento catalão, a demissão de Torra, acusando-o de ser "um perigo público"..Em Madrid, o ministro do Interior espanhol, Fernando Grande-Marlaska, deixou o aviso ao presidente da Generalitat. "Alguns líderes políticos pedem-lhe a sua demissão. A mim só me corresponde recordar ao senhor Torra, porque já o sabe, que num Estado de Direito cabe tudo dentro da lei. Fora, já tem conhecimento". E acrescentou: "É preciso recordar a Torra se quer ser o presidente de todos os catalães ou um ativista.".Já o ministro das Finanças, José Luis Ábalos, citado pela Europa Press, apelidou Torra de "um personagem certamente irrelevante", rejeitando as suas "ameaças" de voltar a fazer um referendo e alegando que o presidente da Generalitat "está a lutar pela sua situação pessoal"..Também desde Madrid, a vice-presidente do governo, Carmen Calvo, já reagiu às declarações do presidente da Generalitat. "O relato de Torra é uma fantasia que ele tem na cabeça e uma fantasia do independentismo", disse à estação de televisão Antena 3. Carmo lembrou que votar "é a norma da democracia" e não é um ato ilegal, mas sublinhou que as eleições são realizadas dentro do quadro legal e não "no quadro" pessoal de cada um. "Se essa linha for ultrapassada" o governo vai ter de reagir utilizando "todos os cenários", incluindo a aplicação do Código Penal..Já a porta-voz do governo espanhol, Isabel Celáa, considerou que os elementos violentos envolvidos nos confrontos na Catalunha "não são infiltrados" como disse o presidente da Generalitat. "São jovens catalães coordenados. O que estão a fazer não se improvisa e os apoios que eventualmente estão a receber são alvo de investigação, neste momento", disse a porta-voz do governo em entrevista à Radio Euskadi..Noite de violência.A noite de quarta-feira em Barcelona foi de protestos nas ruas, com 33 pessoas detidas e 80 feridos durante mais de cinco horas de violência. Desta vez, com 45 barricadas a arder, dez veículos queimados, além de se ter registado o arremesso de ácido e de cocktails molotov contra as autoridades e até o lançamento de artefactos pirotécnicos contra um helicóptero policial..Foi a reação à sentença dos líderes independentistas, condenados na segunda-feira a penas entre os 9 e os 13 anos de prisão por sedição e peculato na organização do referendo de 1 de outubro de 2017 e consequente declaração unilateral de independência..Ao final da noite Torra tivera uma intervenção mais apaziguadora do que a desta manhã. "Faço um apelo à calma e à serenidade. O movimento independentista não foi nem é violento", disse o presidente da Generalitat na altura..Torra reiterou que "os protestos têm que ser pacíficos" e não se podem permitir "estes incidentes que estamos a ver". E pediu: "Isto tem que acabar agora mesmo"..Durante a noite, grupos radicais assumiram o controlo de um troço de quase um quilómetro da Gran Vía. Pouco antes das 23.00, a polícia abandonou o local, com os grupos de encapuzados a gritar "ganhámos" e cânticos de "Liberdade para os presos políticos"..Esta quinta-feira começou com novos protestos. Milhares de pessoas estão nas ruas a participar nas cinco marchas que na sexta-feira estão previstas confluir em Barcelona. No centro da cidade, várias estradas estão cortadas devido a protestos, tal como outras vias um pouco por toda a Catalunha..Os estudantes estão em greve, com a manifestação em Barcelona a começar na praça da Universidade e a seguir até à praça de Sant Jaume. Alunos estão nas ruas também em Girona, Lleida e Tarragona..Os estudantes gritam "as ruas serão sempre nossas", apelidam a sentença de "uma vergonha", mas exigem também a demissão do governo catalão, que acusam de "reprimir qualquer tipo de mobilização popular chegando aos extremos que vimos, com balas de borracha, atuando com brutalidade generalizada contra manifestantes e jornalistas"..Segundo a polícia de Barcelona, participam 25 mil pessoas na manifestação estudantil na capital catalã..Para esta sexta-feira está convocada uma greve geral, que será a quarta em dois anos. Mas já desde esta quinta-feira que, por exemplo, a fábrica da Seat fechou a produção, também devido aos cortes de estradas que dificultam a chegada tanto dos trabalhadores como de matéria-prima..Qualquer cenário em cima da mesa.Na quarta-feira o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, afirmou que não exclui "qualquer cenário na Catalunha", que está "tudo previsto" e, se for necessário, atuará com "firmeza, proporcionalidade e unidade". Contudo, afastou a hipótese de medidas excecionais para a Catalunha, numa referência à aplicação do artigo 155.º da Constituição espanhola, que suspende a autonomia..Esta manhã, Sánchez presidiu à reunião da Comissão de Coordenação da Situação na Catalunha. No final do encontro, o ministro do Interior e porta-voz do grupo, Fernando Grande-Marlaska, reiterou o apoio do governo às forças de segurança na Catalunha, dizendo que o governo "vela incansável" por todos os catalães.."Vivem-se episódios de grande violência na Catalunha", indicou, com importantes danos materiais. "Há manifestações pacíficas muito numerosas, mas o dano não apenas material, mas também reputacional é grande. Tem uns responsáveis", disse o ministro, falando em 46 detenções só ontem, 97 desde o início dos protestos, sendo que há quatro detidos em prisão preventiva. "Estão presos por participação em atos de desordem pública", indicou..Há 194 agentes feridos, acrescentou Marlaska. "Lanço um apelo à cidadania da Catalunha para que expresse, como fez a maioria, de forma pacífica", indicou. "Perder a reputação é muito fácil, recuperá-la é mais difícil", reiterou..EUA, França e Reino Unido já alertam os seus cidadãos para os riscos de viajar para a Catalunha. Na página dos Conselhos aos Viajantes, no Portal das Comunidades Portuguesas, o Ministério dos Negócios Estrangeiros alerta também para os protestos que "têm afetado a mobilidade em algumas zonas". E aconselha-se aos viajantes que planeiem os itinerários com antecedência, alertando para atrasos nos transportes rodoviário, ferroviário e aéreo..O ministro pede ainda a Torra que condene "de forma expressa e indubitável a violência" na Catalunha. "Não à última hora da noite e de forma arrastada", disse, criticando a mensagem do presidente da Generalitat na noite de quarta-feira. "Um presidente de uma comunidade deve mostrar o seu compromisso com os agentes da autoridade a manter a segurança pública", disse..Em relação às críticas que ouviu por ter ido jantar enquanto "Barcelona ardia", o ministro disse que como qualquer membro do governo está a trabalhar 24 horas por dia e que foi comer algo rápido com um membro do gabinete, tendo continuando a trabalhar..Críticas de Rivera e Casado.Já esta manhã, o líder do Ciudadanos, Albert Rivera, criticou Sánchez. "Este governo está paralisado, não toma decisões", afirmou, apelidando de um "inferno" aquilo que está a acontecer na Catalunha, com "carros queimados próprios de um Estado de guerra". E criticou os socialistas catalães, que há duas semanas votaram contra a moção de censura do seu partido para afastar Torra e agora pedem a sua demissão..A presidente da câmara de Barcelona, Ada Colau, respondeu aos ataques de Rivera, apelidando-o de pirómano. "E pirómanos é a última coisa que precisamos. Nem incêndios nas ruas nem na política", escreveu no Twitter, partilhando uma mensagem que o líder do Ciudadanos tinha escrito em que mostrava o resultado da violência na noite de quarta-feira. "Isto não é Aleppo, nem Bagdad... é Barcelona. Estamos diante de uma emergência nacional e com um presidente autonómico a liderar os comandos separatistas. O governo não pode continuar paralisado diante do tsunami de violência. Senhor Sánchez, artigo 155.º e já, vamos tarde".."Ontem vi um Pedro Sánchez que não quer tomar decisões", acusou o líder do Ciudadanos, insistindo na aplicação do artigo 155.º e na demissão de Quim Torra..Já na véspera o líder do PP, Pablo Casado, tinha dito o mesmo a Sánchez. Numa reação ao discurso do primeiro-ministro, ao final da noite, Casado reiterou que há dias que diz ao governo que pode contar com o apoio do PP para garantir a ordem pública. "Mas não o está a fazer. Se não o faz, tenho que continuar a apoiar a inação do governo? Terei que mandar uma mensagem de tranquilidade. Em apenas três semanas há uma alternativa que garante que haverá ordem nas ruas da Catalunha", afirmou..Esta quinta-feira, em Bruxelas, Casado reiterou a necessidade de aplicar o artigo 155.º, defendendo ainda voltar a pôr no Código Penal o crime de convocação ilegal de referendo..Em relação à ideia de Torra de fazer um novo referendo, Casado foi claro: "Está a tentar reincidir no golpe à legalidade e por isso cremos que o Estado de Direito tem que ser firme na sua resposta, antes que a sua situação se complique mais", disse aos jornalistas antes de uma reunião com os líderes do grupo do Partido Popular Europeu..Sondagens para as eleições de 10 de novembro.A menos de um mês das eleições de 10 de novembro, a Catalunha é uma das armas de campanha e as primeiras sondagens feitas após ser conhecida a sentença aos independentistas não trazem boas notícias para Sánchez..No mais recente tracking da Sigma Dos para o El Mundo, os socialistas perdem mais de um ponto percentual e um deputado em relação às eleições de abril de 2019, com o PP a subir quase cinco pontos e 32 deputados. A Unidas Podemos cai 1,5 pontos e nove deputados, enquanto o VOX -- a extrema-direita, com a posição mais radical em relação à sentença -- sobe um ponto percentual e ganha dez deputados. O Ciudadanos perde mais de seis pontos percentuais em relação às eleições anteriores e 38 deputados..Em relação à última sondagem, feita a 13 de outubro, o PSOE perde dois deputados, o PP ganha dois, a Unidas Podemos perde um e o VOX ganha dois. O Ciudadanos perde dois..O Rei Felipe VI fará esta sexta-feira o seu primeiro discurso num ato público após ser conhecida a sentença -- ainda não falou do caso. Será na cerimónia da entrega dos Prémios Pricesa das Astúrias.