Tornar os idosos "estrelas" para combater o isolamento

No projeto Retratos Contados, Nélson Mateus, com a ajuda da amiga Alice Vieira, procura puxar pela autoestima e a vivacidade dos mais velhos, uma faixa etária à qual "a sociedade portuguesa não dá o devido valor".
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Prefere a palavra "velho", repudiada por tantos, ao eufemismo do termo "idoso", cujo dia internacional se celebra nesta quinta-feira. Nélson Mateus, 47 anos, há cinco que se dedica a esta faixa etária, a que "a sociedade portuguesa não dá o devido valor". Assim nasceu o projeto Retratos Contados, que tem como primeiro objetivo sublinhar, com testemunhos reais, o papel fundamental da relação que une avós e netos, mas que não tardou a extrapolar a ideia inicial.

Vivêssemos nós em tempos sem máscaras nem distanciamento físico e a data seria assinalada em festa. Não sendo o caso, Nélson "usá-la-á" para anunciar online alguns dos projetos que espera ver concretizados em 2021, se a pandemia nos der tréguas: "Queremos fazer uma grande exposição com fotografias de habitantes das 24 freguesias de Lisboa. A ideia é dar-lhes quase um tratamento de 'estrelas', penteando-os, maquilhando-os e fotografando-os, fazendo depois a fotografia ser acompanhada de uma pequena nota biográfica. Queremos que eles se sintam valorizados e objeto de merecida atenção." Na origem desta ideia está a constatação (triste) de que muitas vezes os próprios e os familiares mais próximos acham que, pura e simplesmente, já não vale a pena fotografá-los...

Sem paternalismo nem apelo à comiseração, Nélson procura, neste projeto como noutros, "puxar" pela autoestima e pela vivacidade de cada um, no que conta com a entusiástica colaboração da escritora Alice Vieira, sua amiga e cúmplice nestas andanças (ambos foram recebidos pelo Presidente da República em junho, para lhe dar conhecimento do trabalho em curso). Juntos, estão agora a desenvolver um conjunto de livros em que personagens fictícias contam aos jovens de hoje como era diferente o mundo e o país quando os seus avós eram mais novos. "Houve uma grande desvalorização do ensino da História no sistema educativo, e a verdade é que as pessoas nem sempre têm a real noção de como a sociedade portuguesa mudou tanto em poucas décadas. Dou um exemplo: quando começou a ser conhecida, a cantora Simone de Oliveira era ostracizada por ser uma mulher divorciada com filhos, como disse numa entrevista recente ao DN, ou até por usar calças em público. Mas a liberdade que temos hoje não está garantida e os mais novos, que muitas vezes negligenciam o ato de votar, nem sempre compreendem essa fragilidade."

Outro projeto de Nélson é a formação da Academia do Bem-Estar, que percorra a cidade de Lisboa, "tratando temas tão importantes como a nutrição, o combate ao desperdício, a preservação do ambiente ou a cibersegurança, sempre em colaboração com um especialista na área ou com uma figura pública". A ideia é capacitar cada vez mais a terceira idade para um mundo exigente, de que eles são parte integrante e ativa. "As avós de hoje já não são aquelas senhoras de carrapito, vestidas de cores escuras, que caso enviuvassem cedo se recolhiam do mundo. São pessoas interventivas e curiosas. Há que estimular isso. É, aliás, o que eu faço com a minha própria mãe ou com os meus amigos dessa faixa etária."

Fundamental é mesmo o combate ao isolamento, agravado neste ano pelas restrições sanitárias. Mas já acontecia antes. "Há alguns anos, se precisávamos de uma informação útil sobre algum aspeto da vida doméstica, telefonávamos às nossas avós ou mães. Hoje, até para se saber como se tempera um cozinhado ou trata uma peça de roupa mais delicada recorremos ao Google. Temos de contrariar essa tendência."

Para Nélson Mateus, este projeto, que encara "como uma missão", nasceu nos tempos em que dirigia uma loja de roupa para crianças, em parceria com a Fundação do Gil: "Recebia muito mais visitas de avós e futuros avós do que de pais. Muitas vezes voltavam para mostrar fotografias das crianças. A descoberta da intensidade desse amor e as memórias dos meus próprios avós, perdidos há mais de 30 anos, mas que tanto me ensinaram, fez o resto."

Pode saber mais sobre o projeto Retratos Contados através do site: www.retratoscontados.pt e nas redes sociais Facebook e Instagram .

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