Tóquio 2020. As esperanças portuguesas nas cinco novas modalidades
Para cativar o público da casa, o COI decidiu-se pela inclusão do basebol, desporto-rei no País do Sol Nascente, e do karaté. A aprovação de skate, surf e escalada já teve uma motivação diferente: chegar aos adeptos mais jovens.
E que expectativas pode ter Portugal nestas novas cinco modalidades que vão a jogo no Japão? Quem são as figuras destes desportos por cá? Em que é que os Jogos Olímpicos podem mudar as suas vidas? É o que o DN tenta explicar nestas páginas.
Antes de mais, quase todos esperam que a novidade possa traduzir-se em mais apoios para os respetivos desportos. E se nos casos do basebol, da escalada e do skate ainda há muito por definir, nos casos do karaté e do surf há portugueses dispostos a entrar para a história dentro de quatro anos.
André com muitos obstáculos a superar
Os escaladores portugueses vão ter de ultrapassar muitos obstáculos se quiserem marcar presença nos Jogos da capital japonesa, dentro de quatro anos. André Neres é aquele que está mais bem posicionado para cumprir esse desígnio, embora ainda existam dúvidas sobre a forma como serão apurados os 20 participantes. "Nesta altura tenho 30 anos. Não é impossível, mas pode haver condicionantes", explica o escalador ao DN.
A primeira prende-se com o impasse federativo que assola a modalidade. Há um diferendo entre a Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal (que recebe verbas governamentais, mas não é reconhecida internacionalmente) e a Federação Portuguesa de Montanhismo e Escalada (criada mais recentemente e, embora sem apoios, já reconhecida pela entidade que organizará o evento de Tóquio). "Este problema terá de ser resolvido se quisermos estar lá. O ideal seria fundirem-se, aproveitado o melhor de cada uma", argumenta André Neres.
Depois, é preciso investimento. "Se houver um projeto de quatro anos, estou motivado para me envolver e dar tudo por esse objetivo", assume o mais cotado dos escaladores nacionais, que nesta altura não ganha "dinheiro nenhum" com os seus resultados na modalidade. Mas não é isso que o demove. "Se nada se alterar, é praticamente impossível. Caso as coisas melhorem, passe a haver um selecionador, estágios e fundos para disputarmos algumas competições, aí sim, podemos sonhar. Não me sinto inferior a nenhum atleta. Simplesmente não tenho as mesmas condições que eles", atira.
Vasco supermotivado inclui Jogos nos planos
Vasco Ribeiro está ansioso por atacar as ondas de Tóquio. O campeão mundial de juniores em 2014 tem fortes esperanças de marcar presença no Japão, tantas que até promete alterar a sua preparação em função do novo ciclo olímpico. "Além do objetivo de entrar no World Tour [o principal circuito mundial de surf] , os Jogos 2020 passam agora a ser o meu segundo objetivo a curto prazo", conta.
A notícia da inclusão do surf no programa da próxima olimpíada deixou-o radiante. "Fiquei supermotivado. Desde muito pequeno que represento a seleção nacional de surf e o ambiente é sempre incrível. Ter oportunidade de representar o meu país ao mais alto nível é uma grande honra e um privilégio", assinala o jovem surfista.
"Um plano olímpico a quatro anos irá trazer melhores condições aos surfistas a nível de treino e também trará maior notoriedade à modalidade", acrescenta, confiante de que esta novidade será benéfica para o desporto que o apaixona.
Vasco Ribeiro, que partilha com nomes como Frederico Morais ou Pedro Henrique as atenções principais do surf luso atual, garante que "a costa do Japão tem altas ondas" e que "estão reunidas as condições para um evento excelente". A hipótese de serem utilizadas ondas artificiais, que chegou a ser discutida, também não o assusta: "Já experimentei várias ondas artificiais e, por enquanto, nenhuma consegue reproduzir a 100% uma onda natural. A constante adaptação a cada tipo de onda no mar faz deste desporto algo incrivelmente difícil de reproduzir num cenário artificial. Mas, se tiver de ser, estarei preparado para isso."
Nuno tem aspirações legítimas ao pódio
A estreia do karate numa olimpíada será "o momento mais alto da história da modalidade" e há portugueses com aspirações legítimas a fazer parte dela. Quem o garante é Nuno Moreira, medalha de bronze mundial e europeu, radiante por ter visto abrir-se a porta para esse sonho.
"Esperemos que isto nos ajude a melhorar as condições que temos. Contentamo-nos com pouco", dispara Nuno, 16 vezes campeão nacional. Há alguns anos, deixou a faculdade para se dedicar inteiramente ao karate. Dá aulas para se sustentar e é possível que tenha de continuar a fazê-lo enquanto persegue o objetivo de chegar a Tóquio.
Como a maioria dos seus colegas, Nuno tem de pagar do seu bolso as deslocações ao estrangeiro. "É fundamental haver experiência competitiva ao mais alto nível", explica Joaquim Gonçalves, selecionador português. "Temos atletas de grande qualidade e muita competência no treino. Se houver investimento, há fortes hipóteses de se qualificarem para o Japão", justifica.
O bronze obtido pela seleção masculina nos Europeus de maio, na vertente Kumite, serve de inspiração. "Vou fazer tudo para chegar ao ponto mais alto e isso passa pela conquista de uma medalha olímpica", admite Nuno, que aos 31 anos mantém a ambição nos píncaros. Para ser um dos dez combatentes na sua categoria, Nuno poderá até ter de se submeter a uma dieta mais rigorosa. "Durante 15 anos competi na categoria -75 kg. Este ano decidi mudar para -84 kg, pois já era complicado. Se nos Jogos houver a categoria -78 kg, como está previsto, vou ter de fazer alguns sacrifícios", diz.
Jorge prefere diversão à competição
Ao contrário do que aconteceu com os outros quatro desportos que serão novidade no programa de Tóquio, no skate a notícia deixou a comunidade de praticantes um pouco dividida. Muitos dos atletas consideram que a modalidade deve manter-se fiel às suas origens, privilegiando a liberdade e a diversão em detrimento da competição.
É o caso de Jorge Simões, um dos mais reputados skaters portugueses. "Tenho algumas dúvidas sobre se será benéfico para a modalidade. Para mim, andar de skate é um estilo de vida livre. Não há treinos com hora marcada. Cada um pratica quando e onde quer. Não acho piada nenhuma à ideia de ter de competir com um uniforme, por exemplo", afirma.
"Por um lado, até pode ser bom, pode ser que as pessoas comecem a olhar para o skate de outra maneira. Isto não é um desporto de vândalos", diz o portuense. "Por outro, pode atingir aquilo que é a essência do skate. Na minha opinião, não foi feito para competir, mas sim para divertir", acrescenta, sem querer tomar partido de forma definitiva.
"Se for convidado", Jorge Simões até admite viajar para o Japão dentro de quatro anos. Mas vai ser difícil convencê-lo a mudar a sua rotina - ou a criar uma - para competir nos Jogos de Tóquio, uma vez que não está propriamente imbuído do espírito de competição olímpica.
Em todo o caso, pelo que tem visto nas provas internacionais, o skater acredita que "Portugal tem boas hipóteses" de brilhar em 2020 nesta modalidade. "Temos skaters muito bons a fazer excelentes resultados lá fora", conta o campeão nacional, de apenas 21 anos.
Filipe e uma missão quase impossível
"Portugal está a anos-luz dos outros países no basebol. Não há campeonato, não há organizações, não há nada. Há um grupo de amigos que se juntam para jogar", relata Filipe Jorge, um dos mais antigos praticantes da modalidade no nosso país e treinador da equipa da Académica de Coimbra. A julgar por este testemunho, vai ser quase impossível haver uma formação nacional a competir nos Jogos de Tóquio 2020.
As coisas ficaram ainda mais complicadas a partir de 2013, quando a Federação Portuguesa de Basebol e Softbol (FPBS) perdeu o estatuto de utilidade pública, o que impede que as competições como o campeonato e a Taça de Portugal sejam homologadas. Filipe atribui as culpas à responsável máxima pela Federação, Sandra Monteiro, a quem tece duras críticas.
"Se houvesse abertura para serem realizadas eleições e criada uma nova lista, trabalhando entre todos, talvez fosse possível alcançarmos esse objetivo. Mas há muitos clubes que não o querem", explica Filipe, sublinhando que "só a federação poderá criar uma seleção para tentar estar presente nos Jogos Olímpicos".
Nesta altura, os poucos clubes de basebol que existem no nosso país encontram-se "divididos". A Sul, existe maior ligação à FPBS, enquanto os emblemas do Centro e do Norte se defrontam numa prova à parte, criada especialmente para sua diversão. Algo terá de ser feito para que Portugal possa ter, pela primeira vez, uma equipa olímpica de basebol.
O DN tentou chegar à fala com a líder federativa Sandra Ramos, através dos contactos disponibilizados pela FPBS, mas tal não foi possível.