Toiros
Começam as touradas à corda e começa o meu tormento. Desde criança que sou perseguido pela imagem de uma daquelas bisarmas negras correndo ao meu encontro, e os DVD das marradas, que continuam a prender populares e turistas às montras das lojas de souvenirs, só reforçam o calafrio.
Podia talvez dizer-se que o meu povo tem uma maneira bastante divertida de ser louco. Eu acho as touradas à corda bastante mais loucas do que divertidas.
Às vezes arrisco-me a ir para o caminho. Algum conhecido desafia-me:
- Anda lá, Joel!
Como quem diz "não és homem nem és nada".
Tal como James Dean, faço-me à estrada. Mas mantenho sempre uma distância razoável. E, sobretudo, nunca tiro os olhos do bicho, da corda e de cada um dos capeantes, o que, de libertadora, transforma a experiência numa esquizofrenia de cuidados e vertigens.
E, todavia, há algo nesta tourada que persiste admirável. Na prática, porque é o animal que fere o homem. Na teoria, porque, tratando-se de uma ritualização da morte, como nos restantes casos, parece tratar-se de uma ritualização da vida. E na filosofia, porque no fundo devemos esta paisagem ao toiro.
Aqui, o toiro é um elemento simbólico da natureza. Vive livre e selvagem, e por causa dele a flora, a fauna e o ordenamento do interior da ilha mantêm-se preservados.
Talvez não haja, em todo o arquipélago, paisagem mais pura do que o território do toiro da Terceira. Isto fora todos os significados místicos e míticos daquele ritual, que talvez até ajudem mais a explicar a identidade desta gente do que aquilo que preferimos acreditar.
Por mim, já se sabe, sou bom principalmente nos copos. No "quinto toiro", pois claro. E bastante decepcionado me deixa ter percebido há dias que, este ano, não estou cá pela segunda-feira do Bodo.